Direitos fundamentais oriundos da Proclamação da República de 1889

“O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. Mas que o que fazer?” (Aristides Lobo)

Por Manoel Peixinho*

Em 15.11.1889 foi proclamada (não conquistada) no Rio de Janeiro a República (“res publica” ou coisa pública) com a derrubada da Monarquia. No comando do movimento insurgente, que inaugura os novos tempos republicanos, está a baioneta do Marechal Deodoro da Fonseca que decreta um governo provisório (improvisado) de “cor puramente militar e deverá ser assim”, segundo narra Raymundo Faoro (Os Donos do Poder).

O sentimento do povo diante do golpe republicano foi de apatia. Segundo José Murilo de Carvalho (Os Bestializados) e, citando o depoimento de Aristides Lobo, o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que passava, julgando talvez assistir uma para militar” e parecia que “estava usando rédea? e rindo da própria tragédia” (Gabriel O Pensador)”.

A nova Declaração de Direitos Republicana assinada a manu militari prometeu ao povo “a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos direitos individuais e políticos”, com exceção de possíveis limitações impostas aos direitos políticos “pelo bem da Pátria e pela legítima defesa do Governo proclamada pelo povo, pelo Exército e pela Armada Nacional”, amém!

O sentimento de despertencimento e exclusão dos brasileiros vivenciado pelo Ato Institucional da República de 05.11.1889 tem se repetido em múltiplas versões ideológicas desde que Pedro Álvares Cabral chegou ao país em 1500, o que comprova uma dissociação entre a participação popular e a imposição de sistemas e instituições políticas pelas elites dominantes.

A primeira Constituição republicana de 1891 positivou os direitos fundamentais individuais de legalidade, igualdade, inviolabilidade de domicílio e correspondência, a liberdade de associação e de religião, dentre inúmeras garantias então presentes nas Constituições ocidentais. Seguiram, desde então, as Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 até a presente de 1988 com emendas e atos institucionais, todas Constituições republicanas, algumas democráticas, mas em comum estão inflacionadas de direitos e garantias fundamentais formais. “Apesar de você” (Chico Buarque), o povo aguarda, ainda que em alguns momentos bestializado, mas em outros, rebelde, até o dia em que esses incontáveis direitos fundamentais sejam vivenciados.

O vaticínio de que o Brasil não deu certo (Darcy Ribeiro) contrasta com a bravura desse povo que não desiste de seus sonhos e que “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” (Paulo Vanzolini) todos os dias. Essa brava gente, que de besta não tem nada, trabalha árduo e a despeito das chagas de suas instituições bestializadas, vive à espera que seja cumprida a promessa dos objetivos da República Federativa do Brasil, quando surgirá uma “sociedade livre, justa e solidária”, nos dizeres da Constituição com 31 anos de existência republicana.

*Presidente do Instituto de Direito administrativo e professor da PUC-Rio e UCAM-Rio. Advogado.