Os engenheiros, a China e o desenvolvimento no Brasil

Wagner Victer*

Estava em uma boa conversa sobre soluções para o Brasil, com o meu filho Francisco, e ele me passou um dado extremamente interessante: que em uma fase da composição do “Alto Comando” do Partido Comunista da China, com nove (9) componentes, oito (8) deles seriam Engenheiros. Além disso, o próprio Secretário Geral do Partido, Xi Jinping, também seria graduado em Engenharia.

Logicamente, apesar de, até então, não conhecer essa informação, cravei que certamente essa conjuntura seria um dos elementos mais importantes para o crescimento fantástico da China, que vem acontecendo continuamente nas últimas décadas, onde independentemente de qualquer questão ideológica e forma de governo, os resultados econômicos em números são fantásticos.

No Brasil, a participação na gestão pública de membros das carreiras de engenharia, tanto nas diversas esferas do executivo como no legislativo, ainda é muito pequena. Essa contribuição, se mistura ao enredo corrente, onde muitas vezes a economia e o desenvolvimento econômico ainda são vistos como uma mera derivada da “mão de mercado”, e com isso a questão da “economia física”, muitas vezes é preterida.

Um bom exemplo contemporâneo, independente de qualquer outro viés, é que um dos mais atuantes Ministros do atual Governo Federal, que tem conseguido apresentar resultados, Tarcísio Freitas, é um profissional da Engenharia com atuação bastante pragmática na questão da implementação da economia física, principalmente através da finalização de uma série de empreendimentos que estavam paralisados.

Portanto, a intervenção pela engenharia, especialmente no aperfeiçoamento da infraestrutura e na retirada dos chamados gargalos físicos, não traz em si só os benefícios tradicionais de um empreendimento pela geração de empregos durante a sua execução, mas proporciona um conjunto de outras externalidades que ficam permanentes para o desenvolvimento, e logicamente aumentam brutalmente a competitividade de uma região física como um país, um estado ou de um município. Esse modelo de busca incessante de foco na economia física, fica muito claro no exemplo dos chineses que pelo perfil do seu comando, investiram e tem investido pesado na sua infraestrutura, e hoje vão até além de suas fronteiras e até investem na infraestrutura de outros países com o objetivo estratégico de garantir os commodities de forma mais competitiva para o seu desenvolvimento local.

Eu tom de brincadeira, tenho provocado muito um dos maiores economistas com quem convivi, que é o Professor Mauro Osório, dizendo que já deveríamos superar a fase de fazer os diagnósticos de potencialidades locais, já que o conhecimento sobre as nossas vocações nacionais se arruma atualmente “até em bancas de jornal ou no Google”. Essa provocação não é uma desqualificação da importância dos estudos da economia, mas uma constatação clara de que atualmente o que mais falta no Brasil não são mais os diagnósticos, mas ações concretas de engenharia através da implementação da ação na forma de “projetos “. Essa é uma percepção que o Engenheiro naturalmente tem, não só pela sua formação, mas na sua vocação de desenvolver a execução no dia a dia.

Na mesma linha de provocação aos amigos economistas, também brinco exemplificando que até um conjunto de grandes economistas que conheci e convivi eram engenheiros. Um bom exemplo é o saudoso Professor Mario Henrique Simonsen e até o atual Presidente da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Ivan Leal, que possuem formação em engenharia passando pelo amigo Joaquim Levy, todos oriundos da nossa tradicional Escola Politécnica da UFRJ.

Logicamente, nesse cenário de busca do novo paradigma de crescimento, há anecessidade de termos também economistas puro-sangue, porém a maior presença de Engenheiros não desqualifica a presença de outras formações, mas conseguiria implementar um perfil mais desenvolvimentista do que a mera ação oculta das mãos do mercado.

O fato é que o Brasil, que nos últimos anos tem majoritariamente entregue seus rumos nas mãos de advogados, médicos, e economistas, muitas vezes se afasta do pragmatismo necessário para um momento único de retomada, que se torna cada vez mais necessário nesse período pós crise, onde intervenções como o desenvolvimento da melhoria da infraestrutura, da logística interna e da própria logística para exportação são fundamentais. Muitas vezes como exemplos casos em que a “mão do mercado” aponta para a visão turva de termos portos praticamente voltados somente para exportação de Commodities ao mesmo tempo que querem fazê-lo através de caminhões, enquanto, na contramão da melhoria logística, temos a desativação contínua de linhas ferroviárias em regiões como no próprio sudeste do país.

Como experiência pessoal, no ano de 1999, ainda como Secretário de Energia, da Indústria Naval e Petróleo do Estado do Rio de Janeiro, resolvi desenvolver uma nova logística para o setor petróleo, para vivenciar o processo de abertura em função da Lei 9478/97, e fizemos a modelagem conceitual de Engenharia do Porto do Açu. Era um projeto físico grandioso e arrojado. Na ocasião, me chamaram até de louco, futurista e profetizaram que o projeto não sairia do papel. Para viabilizar o sonho, só conseguimos sucesso quando encontrei outro visionário que fez uma série de projetos greenfield, também com formação em Engenharia, que foi o Eike Batista. Hoje todo o benefício derivado do Porto do Açu, que virou a principal uma das principais alças logísticas de toda região sudeste, partiu do “sonho de um engenheiro”, e que só foi possível por ser desenvolvido com vontade por muitos “engenheiros”, aliás, utilizando uma solução inovadora para o país que seria implantar um mineroduto.

Para suprir esse “gap” de projetos e em âmbito local, recentemente o próprio Legislativo Estadual ALERJ desenvolveu um projeto denominado Fundo Soberano, através do seu Presidente André Ceciliano e que com apoio de um outro grande Engenheiro, aliás um dos poucos que compõem a Legislativo Estadual que é o Luiz Paulo Corrêa da Rocha, que traz um diferencial em estratégia, pois não se configura em um colchão de amortecimento futuro das Finanças Estaduais, mas sim um fundo que permitirá ajudar e desenvolver a infraestrutura local do Estado, por projetos aumentando sua potencialidade.

Também não dá para falar em desenvolver a economia local enquanto ainda temos projetos de infraestrutura ineficientes na área de energia elétrica, e impedâncias de desenvolvimento pela simples falta de oferta de energia em condições de qualidade favorável um bom exemplo que hoje. Não há aproveitamento do gás natural produzido em nossa costa e reinjetado, que pela lógica financeira de curto prazo, muitas vezes pela lógica do mercado considerado é melhor ser reinjetado, do que ser utilizado como insumo diferencial para desenvolver projetos de engenharia.

Na disponibilidade dos recursos humanos para essa virada, o Brasil, apesar do aumento dos cursos de Engenharia, ainda forma poucos engenheiros diante de sua necessidade de crescimento e a demanda de integração e competitividade. Nesse contexto, muitas universidades tem também sua parcela de culpa pois afastam, da participação na formatação de políticas públicas, oferecendo sugestões e envolvimento em audiências públicas para debater projetos, planos, projetos de lei, e outras questões que envolvem a infraestrutura. Essa situação
não é uma crítica à postura universitária, mas um motivo para reflexão sobre o sistema que permitiu esse paradigma atual.

Da mesma forma, os conselhos de classe relacionados à área tecnológica, como CONFEA, e seus CREA´s na Engenharia, como o CAU´s na Arquitetura e Urbanismo e até os Conselhos de Técnicos Industriais (CRT´s), devem se movimentar em uma postura mais proativa, haja vista o conjunto de projetos de lei que vem sendo aprovados em âmbito Federal, onde se constata infelizmente uma baixa participação desses grupos que representam os profissionais. Sempre relembrando que no passado em grandes projetos estruturantes para o país, entidades clássicas como o Clube de Engenharia sempre foram ouvidas, e até tinham participação efetiva e até de lá saíram os principais quadros da administração pública, um bom exemplo foi Paulo de Frontin.

A “economia física”, portanto, é a tese do momento e do futuro, e necessário para nossa virada, pois não dá para pensar somente no Brasil como um grande mercado, tendo ainda gargalos simples para serem resolvidos e recursos sendo aplicados de maneira dispersa para custeio de ineficiências. Muitas vezes, através de um simples projeto com custo de 3 a 4 milhões de Reais, como uma interligação através de uma pequena ponte, ou o asfaltamento de uma estrada para a melhoria de um turismo local, podem trazer reflexos fundamentais à economia. Essa visão natural brota do olhar do engenheiro, que tem o dever de claramente identificá-la, trazê-la, e devidamente desenvolvê-la cabe em especial a esses Engenheiros. Afinal de contas, a quem mais caberia?

Da China, que muitas vezes é criticada, temos de aprender alguns ensinamentos e utilizar sua referência em diversos aspectos voltados a infraestrutura, como a busca da ação planejada, organizada, materializada através de projetos concretos. Os Engenheiros com seu olhar próprio, trazem a percepção dos ganhos que a intervenção em física traz para a economia.

*Engenheiro, foi Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, Presidente da CEDAE, Presidente da FAETEC, Secretário de Educação e atualmente é Diretor Geral da ALERJ