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A duas faces de janeiro

Por Reinaldo Paes Barreto*

E então tudo começa a fazer sentido no calendário gregoriano: janeiro se instala após o Réveillon, (que significa em francês acordar ou, em tradução livre, reanimar) e ganha esse nome em homenagem ao mito romano de Jano, que representa a metáfora da face dupla: passado e futuro, isto é, a liberdade de cada um de se prender ao que passou — ou atravessar o Rubicão e construir uma nova narrativa para o ano que se inicia. Mas nem sempre é fácil queimar as caravelas e seguir em frente, deixando o passado em modo sono profundo. Ou até “destruí-lo”, para abrir espaço a uma inovação que melhor nos sirva. Pensando nisso e por associação de ideias, fui reler entre o Natal e este início de 2022 o extraordinário livro Destruição Criativa, obra referencial do pensador e economista austríaco da primeira metade do século XX, Joseph Schumpeter. Parece que foi escrito hoje pela manhã! E a prova é que não raro precisamos exigir hora-extra da memória para nos lembrarmos de produtos e serviços em uso há menos de 50 anos, e que jazem (epa!), hoje, no museu das tecnologias superadas pela geração subsequente, e a seguinte, e a seguinte... Do jurássico telefone preto, de parede, ao portátil celular com pouco mais de 7,4mm de espessura, em breve operando pela fibra veloz da rede 5G, passando pela abreugrafia, em que um feixe de Raios-X vasculhava o tórax precipitando os sais de prata numa película, substituída pela tomografia computadorizada que faz o diagnóstico das imagens sem agredir o corpo, (isto pra não falar do abismo entre as ventosas e as cirurgias robóticas), a longa lista se compara ao maço de algumas páginas de jornal, após uma tragédia.
Vejamos mais exemplos.

1 - Spotfy X gravadoras, fitas cassete;

2 - Netflix X locadoras de filmes (DVDs, salas de cinema, rolos de Super-8;

3 - Site (Decolar.com) X agências de viagens; folders e folhetos;

4 - Google X páginas amarelas, guias de turismo, dicionários, enciclopédias, revistas de história;

5 - Google Photos X álbuns de fotografias, caixas de sapatos com retratos;

6 - E-mails X correios (telegramas, relatórios de viagens, cartas, cartões de visita, convites impressos, “santinhos”, extrato bancário, publicações oficiais, balanços);

7 - WhatsApp (áudio e vídeo) X máquinas fotográficas; consultas médicas por telefone, receitas rápidas;

8 - Mídias Sociais X anúncios de jornais (classificados, avisos de missas, saudações natalícias, anúncios de bodas, etc); campanhas publicitárias, políticas e comunicados;

9 - Youtube X Tvs abertas (em parte), seminários, reuniões de trabalho/sociais/familiares, acervos de imagem e som;

10 - Facebook, Instagram e Twitter X diários íntimos, depoimentos impressos, artigos de jornal, (de novo: álbuns de fotos), programas de notícias (rádio e tv com horários fixos), profissionais de RP, assessores de imprensa, cartas dos leitores, campanhas políticas, notícias verdadeiras e fakes; nessa relação de dualismo entre tecnologias que serviram de escada para as atuais, véspera de novas, o céu é o limite!

Epílogo: para encerrar este inventário da “serventia das coisas” através de um tempo que se acelera em velocidade vertiginosa, escolhi a área do vinho como “case”. Antes, as opções para os consumidores não profissionais, era by the book: os países produtores eram a França, a Itália, a Espanha e Portugal, e a harmonização com as refeições obedecia a uma regrinha papai-mamãe. Com carnes, vinho tinto; com peixes e afins, vinho branco. Rosé para as mulheres e champagnes e espumantes em efemérides. E ponto. Mas o ritmo empresarial tem urgência. E a cada dia os apreciadores e profissionais vivem de surpresa em surpresa: primeiro, um espumante inglês ganhou de um francês, um italiano e um espanhol em um concurso de “prova-cega” em Paris, em 2009 (Nyetimber`s Classic Cuvée 2003, produzido em Sussex); na sequência, surgiu a rolha de compensado e de rosca, adotadas largamente, mundo afora; depois, os catálagos começaram a dar notícias de que países como o Egito, a Holanda, a Eslovênia, o Canadá, a Índia, o México (além, do Vale do São Francisco, no Brasil), são algumas das novas matrizes de produção vinícola. E, para levar à loucura os enófilos, a China já é hoje o 4`país consumidor de vinhos do mundo e o 7`produtor mundial de vinhos de qualidade, sendo que a maior vinícola é a Silver Heights que elabora um pontuado Cabernet Sauvingon (Silver Heights) desde 2009. Ou seja e, agora, lato sensu: o novo exército de empreendedores de todas idades, em desabalada carreira pelo garimpo do pote de ouro no final do arco-íris (empregos, renda, fama), em todo o planeta habitado, não corre apenas porque atrás vem gente. Mas porque já tem muita gente na frente!

*Colunista de gastronomia e vinhos e um dos embaixadores do Turismo do Rio.

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