Adolpho Konder | Mobilidade urbana sustentável é o melhor caminho

Por: Adolpho Konder*

A responsabilidade do Detran.RJ com a população vai muito além da emissão de documentos fundamentais, que fazem parte do dia a dia de todos os cidadãos, como a carteira de identificação civil e a de habilitação, ou a regularização dos veículos, o que também envolve milhares de pessoas. As ações educativas para a consolidação de um trânsito mais “humanizado” é um dos nossos focos principais. E esse aspecto está diretamente relacionado com uma mobilidade urbana sustentável - que é a condição que permite o deslocamento das pessoas em uma cidade, com o objetivo de desenvolver relações sociais e econômicas. Afinal, a qualidade de vida da população é diretamente afetada pela mobilidade urbana. E por que o complemento ‘sustentável’? Porque precisamos minimizar os impactos da crise climática e da poluição do ar também. Os meios de transporte levam e trazem, sendo necessário pensar as melhores formas para a utilização de ônibus, metrô, outros transportes coletivos, carros e também as bicicletas - todos os meios devem ser considerados no contexto das soluções de mobilidade.

Para regular o assunto, o Governo Federal implementou a Lei 12.587, em 2012, que define a Política Nacional de Mobilidade Urbana e fundamenta a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade. Com o objetivo de contribuir para o acesso universal à cidade e o fomento das condições que contribuam para a efetivação das diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana.

Ou seja, não devemos pensar de modo simplista que o carro é o único vilão, como muitas vezes ocorre. A situação é mais complexa passando pela oferta de um transporte coletivo de qualidade, ruas bem sinalizadas, calçadas que garantam a segurança dos cidadãos, vias específicas para estimular o ciclismo e caminhada (muitas pessoas vão para o trabalho assim, embora não pareça), semáforos com timing que considere que nem todos têm o preparo de Usain Bolt para atravessar as ruas. E há muitas crianças e idosos circulando por aí, entre outras variáveis.

Um dos desafios da legislação são os prazos – entre a elaboração e a implementação. Como pensar em um sistema de mobilidade urbana pré-planejado se, ao mesmo tempo, as demandas não param de crescer? Aumentam, no mínimo, na mesma proporção que o número de veículos na sociedade – os automóveis, por exemplo, são, ainda, um dos bens de consumo de mais forte desejo em nosso país, ficando em quarto lugar em pesquisa do Instituto Vox Populi... Quando a lei citada acima foi criada, existiam cerca de 45 milhões de automóveis no Brasil. Hoje, já são cerca de 58 milhões de carros.

A verdade é que o problema não é a quantidade de carros no país, e sim o modo de locomoção criado nas cidades, que acaba por favorecer o transporte individual. Há países com uma densidade de automóveis por habitante maior, mas onde se circula melhor. No Brasil, o planejamento das infraestruturas urbanas considerou especialmente o deslocamento via automóvel e não privilegiando o transporte coletivo. Trazendo o recorte para nosso Estado, considerando a data de lançamento da lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana com os tempos atuais e de acordo com as estatísticas do Detran.RJ, a frota de veículos – incluindo todos os tipos – passa de 5.756.786 em 2012 para 7.745.549 em 2021 (até o mês de setembro).

As condições de deslocamentos das pessoas e das mercadorias nos centros urbanos impactam toda a sociedade pela geração, inevitável, de externalidades negativas, como acidentes, poluição e congestionamentos. E afetam a vida de todos, conforme a Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea. Sistemas de mobilidade ineficientes pioram as desigualdades socioespaciais, prejudicando determinadas classes em termos de impactos sobre a renda, oportunidades de emprego, estudo e lazer, além de pressionar as frágeis condições de equilíbrio ambiental no espaço urbano. Assim, os gestores públicos devem adotar políticas públicas alinhadas com o objetivo de construir uma mobilidade urbana sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Em outubro último, para o encerramento das ações da Semana Nacional de Trânsito, o Detran.RJ apresentou uma palestra muito interessante sobre a temática mobilidade urbana sustentável, com a especialista Clarisse Linke, do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP, na sigla internacional, uma vez que o instituto está presente em diversos países, como Estados Unidos, China, México, Indonésia, Índia, Brasil, entre outros). A mobilidade urbana sustentável é uma condição urgente para melhorar a qualidade de vida das pessoas em diversos aspectos, especialmente nos grandes centros urbanos.

Pelo cenário de hoje, há uma série de consequências negativas. Segundo Linke, uma das piores é a poluição do ar e atmosférica, que afeta a maior parte da população mundial, especialmente crianças e contribui para a aceleração das mudanças climáticas. Além disso, tem a violência no trânsito em nosso país também: no Brasil, morrem cerca de 40 mil pessoas ao ano vítimas de acidentes. E ainda tem os feridos, o que provoca uma sobrecarga do SUS e elevado custo socioeconômico. A baixa atratividade para pedestres e ciclistas reduz a segurança e retroalimenta a necessidade do deslocamento por automóveis, reitera o ITDP.

Os acidentes de trânsito e a poluição do ar estão entre as principais causas de mortes de crianças em muitos países, destaca Linke, o que enfatiza, cada vez mais, a necessidade da implementação de um sistema de mobilidade urbana sustentável. Para o ITDP, é preciso aumentar o acesso a transporte de baixo ou zero carbono, avançar no planejamento de cidades inclusivas e controlar veículos poluentes.

Países do primeiro mundo ressignificaram seus espaços urbanos. Estima-se que 62% dos dinamarqueses pedalam diariamente. O instituto também relacionou outras mudanças fundamentais: Priorizar o deslocamento de pessoas; incentivar o pedestre e o ciclista; incentivar o desenvolvimento econômico local; variar o tamanho das quadras e largura das ruas para contemplar as pessoas.

Concluindo que uma mudança de paradigma exige mudança de estratégias. Então, vamos repensar de forma global a construção de uma mobilidade urbana sustentável em nosso país? O Detran.RJ faz a sua parte chamando a atenção da sociedade para essa questão. Agora, cabe a todos nós adotar novos comportamentos e hábitos para passarmos a viver em cidades mais adequadas e com mais qualidade para todos.

*Presidente do Detran-RJ