Quem ainda acredita que a carne é fraca?

Por Francisco Guarisa*

Nos últimos doze meses tivemos três situações complicadas envolvendo grandes empresas de diferentes segmentos, as quais lançaram campanhas publicitárias incentivando a redução ou a pausa no consumo de carne durante um dia da semana. Heineken, Bradesco e Spoleto se viram no meio de uma polêmica, onde a força do agronegócio prevaleceu. Todas as marcas acabaram por suspender suas campanhas e, direta ou indiretamente, se retratar perante o mercado, evidenciando a força política, econômica e, até mesmo, ideológica do agronegócio no país.

Na última década, os mais variados meios de comunicação on-line e off-line ao redor do mundo, apresentaram um volume significativo de matérias e artigos falando sobre o impacto da criação de gado na emissão de gases de efeito estufa, os malefícios da produção excessiva de grãos transgênicos e diversos outros fatores que impactam diretamente a sustentabilidade do planeta - sem falar nas inúmeras organizações que têm promovido debates sobre esses temas. Vale destacar que a intenção aqui não é de me colocar como defensor ou detrator, mas sim de promover uma reflexão sobre até onde vale nos posicionarmos nos extremos, mesmo com a tendência de tais fatos serem incontestáveis. Precisamos também avaliar o que o agronegócio está fazendo para minimizar esses impactos e nos organizarmos para proativamente cobrarmos por mais ações e transparência. Recentemente, por exemplo, a mídia divulgou que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) disponibilizou uma linha de crédito da ordem de US$ 1 bi, exclusivamente voltado para o Brasil financiar projetos de desenvolvimento sustentável dentro das cadeias produtivas agropecuárias nos próximos dez anos. Os projetos envolvem, prioritariamente, as áreas de inovação agropecuária, regularização ambiental, manejo sustentável, sustentabilidade ambiental adaptada às mudanças climáticas, entre outros. Diante dessa oportunidade, é nosso papel ficarmos vigilantes e acompanharmos como o segmento se comporta a partir de agora.

É importante lembrar que o setor agropecuário brasileiro representa aproximadamente 30% do PIB nacional, sendo o terceiro maior produtor de alimentos e grãos do mundo e o segundo maior exportador global do agronegócio, com um valor bruto de produção agropecuária que ultrapassou R$ 1 trilhão em 2021. Tais dados já justificam um olhar mais aprofundado e avaliações criteriosas, antes de qualquer posicionamento público e/ou decisões de comunicação.

Ao analisarmos os acontecimentos recentes, sob a ótica do marketing, acredito que haja uma miopia de alguns especialistas e organizações do Terceiro Setorem achar que um banco não possa falar do futuro da alimentação no mundo e dos impactos que isso pode causar ao meio ambiente. Não podemos esquecer, cada vez mais empresas têm assumido compromissos com sustentabilidade e utilizado isso dentro de suas estratégias de comunicação e posicionamento de marca. Não consigo também condenar uma cervejaria por sugerir um dia de consumo do seu produto sem que haja necessariamente uma associação com o famoso churrasco. Ou ainda, recriminar um restaurante porque incentivou seus clientes a não consumirem carne um dia da semana. O tema é de extrema relevância e gera impactos em praticamente todos os segmentos econômicos. Sem juízo de valor sobre certo ou errado, acredito que essas empresas tentaram passar subliminarmente uma mensagem de que precisamos repensar a sustentabilidade do planeta. Porém, talvez não tenha sido a melhor forma para criativamente abordarem o tema. Não custa lembrar que o mal do mundo não é o fato, mas sim a forma com que lidamos com ele.

A verdade é que tudo na vida possui ônus e bônus, tanto no que pensamos como nas atitudes que tomamos. Em temas sensíveis como esses citados, prudência e diálogo antecipado com todas as partes interessadas ao negócio previnem muitos problemas. Na ânsia de conquistar um posicionamento “ecologicamente correto” perante o mercado, às vezes, as empresas se esquecem de previamente medir os impactos econômicos, políticos e, até mesmo, ideológicos, ao levarem adiante essas ações.

O equilíbrio e o bom senso, mais do que nunca, precisam fazer parte de qualquer discussão que envolva a sustentabilidade de nosso planeta daqui por diante. Unicamente pela força, não se conquistará nada de relevante, até porque, para quem ainda achava que a carne era fraca, o agronegócio mostrou no último ano que não é bem assim.

*Consultor e Executivo de Marketing e Gestão