A pandemia e os desfiles das escolas de samba

Por Gustavo Ribeiro*

Continua despertando polêmica a decisão da Prefeitura e do Governo do Estado de cancelarem o carnaval de rua e manterem os desfiles das escolas de samba. A população não tem conseguido entender essa diferenciação porque, vê nisso, uma contradição. De fato, isso ainda não ficou claro.

Existe uma grande diferença entre o carnaval de rua e os desfiles das escolas de samba. No carnaval de rua, simplesmente, não há como impor nenhum protocolo sanitário. Esta é a dinâmica histórica da festa que tomou proporção gigantesca justamente por conta de nenhum tipo de controle de acesso e limitação de público.

De maneira oposta, nos desfiles na Avenida Marquês de Sapucaí, desde muito antes da pandemia, existem rígidos controles de todo o público que participa do evento; desde o público que acessa às arquibancadas populares, aos componentes das escolas que desfilam, até aos trabalhadores que tem renda extra nestes dias. Há vários anos se controla tudo que entra nos arredores da Sapucaí. Já se tem experiência de vários anos acumulada nesta operação, que foi se aperfeiçoando ao longo do tempo. Agora, durante a pandemia, esses controles podem e devem ser ainda mais rigorosos.

Já está comprovado que a vacinação, mesmo com a terceira dose, não é capaz de frear o contágio do vírus entre as pessoas. O resultado das festas de fim de ano e do réveillon somado à alta transmissibilidade da Omicron deixou isso claro. Por isso, além da exigência de vacinação, outro pilar essencial para a realização dos desfiles das escolas de samba deve ser a exigência de testagem de todas as pessoas que acessam à Sapucaí. Possibilidades de máximo rigor podem ser consideradas como exigência de testagem, por exemplo, com teste de antígeno ou até com o RT-PCR, este último considerado padrão-ouro quando o tema é COVID-19.

É possível realizar um evento com rígidos controles sanitários com a fiscalização conjunta dos órgãos municipais, estaduais e com o apoio inédito de equipes da Anvisa num evento deste simbolismo e que seja utilizado como case de referência para os próximos eventos no país.

A verdade é que se os desfiles das escolas de samba na Avenida Marquês de Sapucaí forem cancelados ou adiados, todos os eventos públicos ou privados também deveriam ser suspensos desde já. Não faz sentido ser diferente, porque por mais que estes outros eventos sejam menores, são eventos. E mesmo num grande evento com 80.000 pessoas, um simples espectador não fica a menos de 1 metro e meio de distância de todo este público; no máximo, o controle é com 1.000 ou 2.000 pessoas.

Pedro Hallal, um dos principais epidemiologistas que monitoram o avanço da COVID-19 no Brasil indicou que todos os modelos estáticos preveem que essa onda provocada pela Omicron não irá demorar muito tempo. Ele e outros especialistas apontam que o mais provável é que em poucas semanas a onda provocada por essa variante esteja controlada ou até encerrada. Portanto, seria precipitado tomar qualquer medida neste momento pelo cancelamento ou adiamento dos desfiles. Os desfiles devem ser mantidos desde que não ofereçam riscos à manutenção de uma taxa de hospitalização segura nos leitos públicos e privados.

A cidade do Rio já sofrerá grande impacto com mais um ano de carnaval de rua cancelado. Cancelar também o desfile das escolas de samba, mesmo com a possibilidade de se realizar os desfiles com segurança, seria mais uma perda de um forte símbolo cultural de um povo. Bom lembrar que a enorme maioria que assiste os desfiles, não está presente na passarela do samba. Assiste de suas casas pela TV. Se for cancelado, nem isso haverá, em mais este ano.

A segurança sempre deve estar em primeiro lugar num evento. Numa pandemia, a segurança sanitária deve ser prioridade. E quando é possível conciliar segurança sanitária com a realização de um evento conhecido mundialmente e que já foi cancelado uma vez, assim deve ser feito.

*Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi organizador da Jornada Mundial da Juventude no Rio.