Ambição despe Witzel

Como diz o velho conto de Hans Christian Andersen, o rei está nu. Pensa que está sendo admirado pela sua indumentária luxuosa, mas está completamente nu, expondo a natureza medíocre que sua auto-ilusão mascara. O problema é esse rei está acabando com o Estado do Rio, importante caixa de ressonância na política nacional - ou ao menos assim era até 2018, quando a população fluminense deu um cheque em branco ao então desconhecido Wilson Witzel.

À frente do Palácio Guanabara, o ex-juiz não tem qualquer realização que possa cacifá-lo à sua maior ambição política: a Presidência da República. Rompeu com aliados de primeira hora e cumpriu pouco mais de 12% das muitas promessas de campanha. Antes continuasse como um ilustre desconhecido. A política de segurança, que deveria ser seu carro-chefe, não trouxe resultados e, sob seu governo, a qualidade da água fornecida pela Cedae saiu pelo ralo. Por trás de tantos equívocos e desmandos, desponta a iminência parda que atende pelo nome de Pastor Everaldo, seu mentor político, que manda e desmanda no Palácio Guanabara.

Foto: Gabriel Souza

No início de 2017 um juiz federal se apresentava aos interlocutores autoproclamando-se “o próximo governador do Estado do Rio de Janeiro”. Delírio ou profecia? Até hoje não temos como precisar, mas o fato é que Wilson Witzel chegou ao Palácio Guanabara depois de sair do patamar de 1% das intenções de votos para conquistar 4,6 milhões de votos (59,87%), batendo o adversário do segundo turno, o ex-prefeito Eduardo Paes.

Filiado ao Partido Social Cristão (PSC), WW confiou seu destino político às articulações do presidente nacional da sigla, o Pastor Everaldo, surfou na onda do bolsonarismo e logo declarou-se candidato à sucessão presidencial. Num regime democrático, sua pretensão é mais do que legítima, mas seu primeiro ano no governo fluminense não o credencia para o cargo tão sonhado. É como se, rigorosamente, o presidenciável ainda não tivesse entrado em campo e já pleiteasse ostentar a braçadeira de capitão do time.

Obsessão

A obsessão de Witzel por cargos políticos é tão grande que ele se tornou o primeiro governador do Rio de Janeiro a usar uma faixa nas cerimônias oficiais, numa clara demonstração de deslumbramento. Neófito nas sutilezas da política, segue fielmente o pastor a quem deve obediência política, loteou o governo para os protegidos de seu guru e apunhalou os aliados de primeira hora. O caso mais emblemático foi o rompimento com o clã Bolsonaro. Sua presença nos palanques de Flávio Bolsonaro, que viria a eleger-se senador nas eleições de 2018, era ostensiva e, não fosse essa estratégia, sua presença no segundo turno seria impensável.

Uma vez no cargo com que tanto sonhou, tratou de estabelecer suas diferenças com o presidente Jair Bolsonaro, sua família e aliados. A cisão teve início em setembro, quando uma reviravolta no caso que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) colocou a família do presidente dentro do inquérito. 

- Quem está por trás disso? Eu não tenho dúvida: governador Witzel – reagiu o presidente, ao revelar ter sabido do próprio governador da possível menção ao seu nome no episódio do porteiro durante uma solenidade em que ambos participaram, como mostrou o CORREIO DA MANHÃ em novembro do ano passado.

Bolsonaro disse ainda que Witzel era “amiguinho” do delegado responsável pelas investigações, o que motivou críticas de instituições representativas da categoria. Na ótica de Bolsonaro, os gestos de Witzel são motivados por seu “sonho e obsessão” de se tornar presidente da República. Não há como discordar.

O governador desmente as acusações do presidente, mas o tom não chega a convencer.

- É bom lembrar que, quando o porteiro lá falou qualquer coisa, eu nem era candidato a governador. Então, achei um completo absurdo, eu acho que o momento aí de desequilíbrio emocional tá falando esse tipo de coisa. Mas uma hora vai cair a ficha e vai ver que isso não é exatamente a realidade e vai ver que essas afirmações são completamente absurdas e levianas - afirmou o governador, numa de seus raros comentários sobre o episódio.

'Sede de poder'

O rompimento político com o presidente levou o governador a investir no racha da bancada do PSL. Uma ala do partido recusou os pedidos de Flávio Bolsonaro para abandonar o governo estadual.

- Ele tem sede de poder. Não creio que ele seja um traidor, mas um aproveitador. Não deu tempo para a gente conhecer quem era o Wilson – disse o deputado Otoni de Paula, referindo-se ao processo de escolha do nome do PSC que disputaria o Palácio Guanabara, processo concentrado nas mãos do Pastor Everaldo, que pode não ser bom de voto (obteve apenas 360.688) em sua candidatura ao Senado na mesma eleição de 2018.

Mesmo sem ocupar cargo no governo estadual, Everaldo dá as cartas: emplacou o filho Filipe Pereira (que também é péssimo de voto) como assessor especial de Witzel, criou a metodologia de atendimento às demandas da bancada estadual e controla, com mãos de ferro, as nomeações em órgãos como a Cedae e Detran.

O controverso líder religioso já teve o nome citado na Operação Lava-Jato. Em sua delação, o ex- -diretor da Odebrecht Ambiental Fernando Reis disse que a empresa repassou R$ 6 milhões em caixa dois ao pastor, então candidato à Presidência. Sua missão seria formular perguntas “simples e inócuas” a Aécio Neves, então candidato do PSDB, durante um debate na TV. O delator teve acesso a Everaldo via o ex-deputado Eduardo Cunha, preso há quatro anos. Everaldo e Cunha se conhecem desde a gestão Anthony Garotinho.

Um ilustre desconhecido na cena nacional

Ter o Palácio Guanabara como plataforma de lançamento para alcançar o cargo máximo do país é uma estratégia respeitável, mas não de fácil execução. Políticos tarimbados como Carlos Lacerda e Leonel Brizola não lograram êxito assim como, mais recentemente, Anthony Garotinho, ficaram a muitos e muitos quilômetros de suas pretensões. Ao contrário de Brizola e Lacerda, Wilson Witzel não passa de um ilustre desconhecido no cenário político nacional.

Em janeiro, um levantamento feito pelo portal G1 situou o governador fluminense num vexatório 21º lugar de um ranking de promessas eleitorais cumpridas no primeiro ano de gestão. Witzel, de acordo com o levantamento, atendeu apenas 12,06%, superando os colegas de estados sem grande projeção nacional como Paraíba ( João Azevedo), Mato Grosso (Mauro Mendes), Roraima (Antônio Denarium), Amapá (Waldez de Góes) e Acre (Gladson Cameli). A lhe fazer companhia como governante de um estado importante ficou Romeu Zema, de Minas Gerais.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Novatos na política, Witzel e Zema foram as duas maiores surpresas eleitorais de 2018, quando conquistaram, respectivamente, os governos do Rio de Janeiro e Minas Gerais. A dupla obteve desempenho pífio em outra pesquisa feita sobre o desempenho dos governadores ao longo de 2019, desta vez pelo site Congresso em Foco. O portal ouviu 61 deputados e senadores, entre os dias 13 e 19 de junho. São líderes partidários, presidentes de comissões e frentes parlamentares, entre outras lideranças. Eles responderam perguntas sobre os cenários políticos e econômicos, assim como o desempenho de autoridades.

Junto a este seleto júri, nova vergonha para Wilson Witzel. Amargou a 13ª posição dentre os 13 chefes de executivo estaduais relacionados. Obteve nota 1,9 numa escala de 1 a 5, considerando que 1 seria a pior avaliação e 5, a melhor. A média ponderada das respostas indicou 3,6 para Flávio Dino, e 3,5 para Rui Costa, o segundo mais bem avaliado. Wellington Dias ficou na terceira posição, com 3,4.

A propalada sede de poder parece anestesiar a capacidade de reflexão do governador. Em entrevista recente, na qual avaliou seu primeiro ano de mandato, afirmou de forma enfática que a política de segurança era um ponto forte de seu governo.

Mas sua administração é claudicante tanto que dos 19 secretários que tomaram posse com ele em 1º de janeiro de 2019 apenas dez seguem no cargo. As baixas mais significativas foram a do até então todo poderoso José Luiz Zamith que deixou a Casa Civil.

Entre os remanescentes prevalaceram os políticos com trajetório prórpria como Felipe Bornier (Esportes), Pedro Fernandes (Educação) ou Otávio Leite (Turismo). E o nome forte é o de Lucas Tristão (Desenvolvimento Econômico e Geração de Emprego e Renda), com quem o governador mantém uma relação de grande proximidade.