O fator China e o preço dos alimentos

Por Nilson Mello*

No ano de 2600, mantidas as atuais taxas de crescimento demográfico exponencial (de 1,9% ao ano), a população mundial ficará ombro a ombro, e o consumo de eletricidade será de tal ordem que deixará a Terra incandescente, previu o astrofísico Stephen Hawking, em O Universo em uma casca de noz (2002). Não queremos viver espremidos como numa rampa de acesso a um estádio de futebol em final de campeonato. E, como isso, na prática, inviabilizaria a sobrevivência do ser humano, bem como a da maioria das espécies, podemos supor que até lá tenhamos adotado as medidas capazes de evitar a catástrofe.

Um efetivo controle de natalidade em escala global é a resposta óbvia que nos vem à mente, mas como tal medida também dependeria da superação de obstáculos políticos e, principalmente, religiosos de grande complexidade, outras saídas devem ser tentadas, paralelamente. Imaginar um horizonte de distopia nos ajuda a ter um olhar mais lúcido e responsável para os desafios do presente. Um dos desafios é aumentar a produção da agricultura e da pecuária, a fim de alimentar mais e mais bocas, sem, contudo, levar à total devastação de florestas, agravar as mudanças climáticas ou extrapolar no emprego de agrotóxicos, nocivos à saúde.

O Brasil tem conseguido aumentar a produção de alimentos sem ampliar as áreas destinadas à agropecuária. Aumento de produtividade. Mas a busca de novos patamares de eficiência, tendo em vista a crescente demanda por alimentos, em algum momento encontrará limites que determinarão a incorporação de novas áreas para o plantio e para o gado. Se reconhecermos o uso mais racional dos recursos naturais do Planeta como um princípio a ser respeitado – até para evitar o futuro distópico – outras respostas terão que ser dadas pela Ciência, e adotadas pelos governantes.

Depois de 4 bilhões de anos de vida orgânica evoluindo por seleção natural, estamos caminhando para a era da vida inorgânica configurada por design inteligente, afirma Yuval Noah Harari, em 21 Lições para o Século 21 (2018). Mais do que isso, em futuro bem próximo, prevê o historiador em sua utopia (ou seria uma distopia?), seremos capazes de produzir em escala de consumo, a partir da bioengenharia, desde uma cenoura até uma suculenta costela bovina, o que teoricamente resolveria o problema da produção de alimentos e de seu impacto sobre o ambiente, sem, no entanto, equacionar outras questões relativas à economia, em especial a geração de empregos.

De olho no futuro, analisamos o noticiário da semana sobre o impacto da demanda da China sobre os preços dos alimentos no Brasil com preocupação. O governo de Pequim decidiu fazer estoques estratégicos, aumentando a compra de grãos e proteína animal. O Brasil foi um de seus grandes vendedores, favorecido por preços mais competitivos, tendo em vista à forte desvalorização do real frente ao dólar (40% nos últimos 12 meses).

Entre janeiro a julho, as compras chinesas injetaram US$ 24 bilhões no agronegócio brasileiro, cifra recorde para um primeiro semestre de ano e 30% superior ao mesmo período de 2019. Essas exportações garantiram saldos positivos da balança comercial e impediram que a queda do PIB no semestre fosse ainda maior. Mas o efeito colateral está aí: aumento dos preços de itens da cesta básica em até 23% nos últimos 12 meses e risco de desabastecimento.

Como não há de se falar em controle de preços, porque ele vai contra a eficiência econômica, o que se espera é que o próprio aumento da demanda interna leve a uma maior produção e ao reequilíbrio entre procura e oferta. Ou a substituição, pelo consumidor, de itens mais caros pelos que estão mais baratos. Isso, é claro, enquanto a China e o mundo não adotarem um controle de natalidade mais rigoroso e a costela biônica não chegar às prateleiras, lembrando que a iguaria do Harari também estará sujeita às oscilações de mercado, que determinam a formação dos preços dos produtos.

*Nilson Mello é jornalista e advogado