Transição governamental: interesse público que deve ser assegurado

Por: Cassio Rodrigues Barreiros*

Em função da pandemia do coronavírus as eleições municipais de 2020 sofreram modificações, sendo certo que o primeiro turno será realizado em 15 de novembro e nos locais em que há segundo turno este ocorrerá no dia 29 de novembro.

A alteração na data de votação acarretará uma considerável mudança no formato da transição, ou seja, deverá ser realizada em um curto espaço de tempo. Não bastasse a pandemia do coronavírus que afetou o regular funcionamento dos órgãos da Administração Pública ainda temos a cultura do recesso de final de ano que em geral perdura do natal até o ano novo.

Os novos prefeitos deverão em atenção ao princípio da continuidade da administração pública atuar de forma rápida e eficiente para diagnosticar os problemas e implementar ações para que a população não sofra reflexos negativos em decorrência da falta de conhecimento dos problemas do município.

Um outro fator que atrapalha a realização de transição governamental em âmbito municipal é a falta de previsão legal para a sua ocorrência. Em âmbito federal temos a Lei 10.609/2002 que garante ao candidato eleito a possibilidade de criar o gabinete de transição ocorre que no Estado do Rio de Janeiro e nos Municípios não há Lei regulando o tema.

A ausência de previsão legal, todavia não pode ser fator para impedir a ocorrência da transição. Pela Lei de Acesso à informação e pela força normativa dos princípios constitucionais, podemos extrair que o candidato eleito tem o direito de acessar os documentos públicos e obter as informações de diagnóstico da administração pública em atenção aos princípios da continuidade da administração pública, eficiência, moralidade, probidade, legalidade, transparência e impessoalidade.

A importância da transição realizada pelo candidato eleito se traduz no conhecimento prévio dos serviços essenciais que não podem sofrer solução de descontinuidade nos primeiros dias de governo, escala dos postos de saúde durante as festividades de final de ano, protocolo básico de medicamentos, insumos hospitalares, salário dos servidores, duodécimo das câmaras municipais e dados sobre as contas públicas, abertura de orçamento, restos a pagar, atendimento dos índices constitucionais e legais, arrecadação do IPTU, contratações irregulares e atos indevidos de dispensa de licitação, são apenas alguns exemplos.

Durante mais de 13 anos de atuação jurídica, pude perceber que as condenações por improbidade administrativa que como efeito gera a suspensão dos direitos políticos estão relacionadas aos erros praticados no início da gestão, por falta de realização de transição e conhecimento das regras que regem a administração pública.

A questão da saúde pública nesse ano ganhará especial atenção em função dos protocolos adotados para prevenção da pandemia do coronavírus. Diversos municípios com base no julgamento de ADI 6341, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência concorrente de Estados, DF, Municípios e União no combate à Covid-19, editaram atos administrativos regulamentando o protocolo de atendimento, contratações, aquisições, circulação de pessoas e funcionamento dos serviços públicos essenciais e privados.

Assistimos uma proliferação de contratações emergências sob o manto do combate ao coronavírus, esses atos de ordenação de despesas deverão passar por uma minuciosa análise.

Portanto o candidato eleito deverá possuir uma equipe de transição eficiente e capaz de estabelecer um diagnóstico da situação do município em tempo recorde sob pena de causar um imenso prejuízo a coletividade.

O diagnóstico preciso evitará a proliferação de contratações emergenciais indevidas, a identificação de contratos ilegais, contratações superfaturadas e prevenirá a prática de atos de improbidades que poderão custar a elegibilidade futura do candidato eleito.

Urge destacar, ainda, que os mecanismos de controle levado a efeito pelo Tribunal de Contas, Ministério Público, Legislativo e pela própria mídia estão cada vez mais eficientes. O controle se tornou uma realidade e o julgamento do processo de impeachment é político! Recentemente tivemos o afastamento do governador do Estado do Rio de Janeiro, além da abertura de diversos processos de impedimento em outros estados e municípios.

Eventual dificuldade para a realização da transição pelo candidato eleito ou diante da sonegação de informação por aquele que estará no final do exercício de seu mandato, vai configurar ato de flagrante ilegalidade a ser reparada pelo Órgão Jurisdicional. O interesse é o público e transição governamental não é a esfera para o debate político.

A transição deve ser encarada com muita seriedade pelo candidato eleito. Este é o momento para identificar os problemas e planejar a execução de ações futuras. Aquele que está no fim do mandato deve suportar a sua realização e não poderá omitir ou sonegar informações.

*doutorando em direito pela UVA, mestre em direito pela UVA, possui especialização em direito público pela FEMPERJ/UNESA, graduado em direito pela UVA, advogado e professor.