O plebiscito do Chile

Por Nilson Mello*

Uma Constituição de caráter liberal garantiu ao Chile ao longo de quatro décadas elevados índices de desenvolvimento econômico, um dos melhores da América Latina, e, como resultado de uma economia mais forte, avanços sociais muito acima da média dos países da Região. De forma soberana, porém, o povo chileno decidiu em plebiscito no dia 25 de outubro que não quer mais este arcabouço jurídico como base da sociedade.

Promulgada em 1980, a atual Constituição traz princípios econômicos liberais, mas está irremediavelmente vinculada à ditadura Pinochet, período sombrio da história do país (1973-1990), o que facilitou a propaganda pela sua revogação, que agora terá curso. É de se presumir que a nova Carta estabeleça graus de intervenção e dirigismo estatais maiores, “em prol de mais avanços sociais”.

Em dez anos poderemos ver qual das duas receitas surtiu mais efeito. Sem que possamos saber ao certo qual será a orientação da nova Constituição no que diz respeito ao modelo econômico, não custa lembrar que países vizinhos antes ricos (Argentina e Venezuela) têm retrocedido como resultado do intervencionismo e do dirigismo estatais crescentes, temperados com grandes doses de populismo.

O próprio Brasil apresenta média de crescimento econômico medíocre há décadas por conta de uma estrutura legal hostil ao empreendedor, contrária à liberdade econômica.

Ainda que seja uma ciência, e como tal tenha as suas leis intrínsecas, a economia é também resultado de variáveis extrínsecas, que lhe são dadas pelo Direito – o arcabouço jurídico no qual se assenta. Se Estado opulento, impostos em profusão e grande número de estatais fossem o caminho do bem-estar social, estaríamos em primeiro lugar no ranking global. E não é o caso.

A Constituição que agora os chilenos querem é provavelmente algo parecido com a nossa Constituição de 1988: mais que uma Carta de princípios, um programa de governo de orientação social democrata. Aqui não deu resultado. Fomentou-se uma casta de privilegiados no funcionalismo público, em prejuízo da coletividade. O Estado deixou de ser meio para se tornar um fim em si mesmo. Opulento. Não houve avanços econômicos e sociais relevantes, haja vista nosso baixo desempenho no ensino, mesmo se comparado a países em desenvolvimento.

Recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria aponta que o Brasil é o sétimo país que mais gasta com funcionalismo público, mais até do que nações europeias que são referência do WelfareState. Gastamos o dobro que o Chile, justamente por conta de seu arcabouço liberal, que agora será revisto.

Os chilenos acreditam que possam alcançar patamares ainda mais elevados de desenvolvimento com outro tipo de matriz jurídica, menos liberal e, portanto, mais intervencionista, no sentido do aprofundamento do Estado do Bem-Estar. Repito: decisão soberana, legítima. O risco é que, na elaboração da nova Carta, os parâmetros econômicos que contribuíram para o desenvolvimento do país sejam eliminados. Esses parâmetros não devem ser vistos como entulho do “velho regime”, mas, sim, como tributo pago à sociedade pelo terror que produziu, pois foram a base do reconhecido sucesso do Chile em todos esses anos.

*Nilson Mello é jornalista e advogado