Por que prisão?

Por Fábio Tofic* e Rafael Faria**

O recente caso da prisão do Prefeito Marcello Crivella, a nove dias do encerramento de seu mandato, antes do início de qualquer ato de instrução processual, antes de esboçado qualquer direito de defesa, ou antes de um mísero escrutínio da prova existente no inquérito, é mais um capítulo da vulgarização da prisão preventiva no Brasil, um dos países que mais abusa desta modalidade de restrição da liberdade.

Por que prender antes de julgar? O que se pretende com uma prisão decretada antes de qualquer chance de defesa? Por que colocar a carroça na frente dos bois?

A impressão que se tem, por vezes, é que nem mesmo o acusador acredita muito no seu projeto acusatório, e usa a prisão preventiva como forma de punir alguém em cuja condenação não apostaria muitas fichas. Ou confia tanto na acusação, mas não aguenta de ansiedade de ver o sujeito preso por força da sua caneta. Ejaculação precoce processual.

Sejam quais forem os desencontros psicológicos que movem tamanhas arbitrariedades, fato é que é grande o mal que estas prisões causam ao país.

É mais ou menos como mandar imprimir moeda. Parece que deixa o povo mais rico, mas todos sabemos que é exatamente o contrário. A prisão pode passar a impressão de que está deixando o país melhor, livre do crime e da corrupção. Mas não, a prisão antecipada, sem culpa formada, subverte a lógica do processo, profana a presunção de inocência e corrompe o sistema de direitos e garantias que dá sustentação ao Estado de Direito.

Tamanha é a gravidade de uma prisão ilegal que a lei de abuso de autoridade chega a considerar crime a conduta de juiz que decreta prisão por mero capricho, sem necessidade real, com único intuito de entreter a opinião pública. A prisão espetáculo.

Enquanto isso, a sociedade, a mídia, inclusive os campos mais progressistas, aplaudem as arbitrariedades, em uma espécie de catarse coletiva pela satisfação das frustações cotidianas, materializadas no sentimento de vingança. Assim, passam a endeusar o juiz de ataque, sem perceber que um dia poderão ser réus em um processo deste jaez.

Afinal, estamos dispostos a abrir mão da presunção de inocência? Estamos dispostos a sacrificar parte da nossa própria liberdade para ver este ou aquele atrás das grades? Faz lembrar a célebre frase de Benjamin Franklin: “quem troca liberdade por segurança, não merece nem liberdade, nem segurança”. E quando for a nossa vez, quem será por nós?

O Estado de vigilância, sem a análise sincera da perspectiva denunciada por Pascal, de que os Homens são atraídos a crer, não pelas provas, mas sim pelo atrativo, demonstram um campo fértil de pulverização do ódio.

É fácil nos depararmos em rodas sociais com profissionais dos mais variados segmentos da sociedade civil, inclusive do direito, aplaudindo prisões como esta, entusiasmados com os ventos de mudança ética da sociedade. Mas como pode querer ser ética uma sociedade que não respeito sequer o Direito?

A ausência do debate sincero, escondido sob a penumbra do “populismo judicial”, vem trazendo consequências nefastas aos direitos fundamentais arduamente conquistados ao longo da história.

A sociedade disciplinar de Michel Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há uma sociedade de academias do não saber, pequenos acusadores empoderados a dizer o justo, a queimar suspeitos em praça púbica, para regozijo da horda ensandecida.

Pelo menos nesta semana temos o Natal, a nos forçar lembrar de como é fácil arrastar multidões a legitimarem graves erros judiciários.

*Mestre em Direito Penal pela Universidade São Paulo. Especialista em Dogmática Penal e Política Criminal pela Universidade de Salamanca. É sócio-fundador, ex-presidente e atual Conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Também é membro consultor da Comissão Especial de Direito Penal da OAB-SP, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e Conselheiro do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA)

**Advogado Criminalista, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim), autor do livro Fundamentos de Direito Penal