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A liberdade é a regra, não podemos aplaudir a espetacularização do processo penal

Por Cassio Rodrigues Barreiros*

A restrição da liberdade é uma medida de exceção e como tal deve ser tratada pelo judiciário. A prisão preventiva somente pode ser imposta pelo juiz competente mediante decisão fundamentada, desde que satisfeitos certos requisitos e desde que não caiba outra medida cautelar diversa da prisão.

Recentemente assistimos à covarde espetacularização da prisão do Prefeito Marcelo Crivella, com o emprego de diversas viaturas, helicóptero e forte presença da mídia. Operação de guerra para prender um senhor de 63 anos de idade que estava há 9 dias de concluir seu mandato em endereço certo e sabido.

A decisão proferida pela E. Desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, do Primeiro Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, data vênia, trás em sua fundamentação uma inversão e afronta ao princípio do devido processo legal. Quem lê a decisão que foi amplamente divulgada pela mídia, fica com a sensação de ler uma sentença penal condenatória e não uma decisão capaz de fundamentar a prisão preventiva do Prefeito Marcelo Crivella.

A malfadada decisão que decretou a prisão preventiva reproduz em sua fundamentação a linha de investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de que o prefeito Marcelo Crivella com outras pessoas, supostamente, vinha praticando ilícitos no exercício de seu mandato com base na malengendrada teoria do domínio do fato.

Ocorre que o fim do mandato que sabidamente está marcado para o dia 31/12/2020, ou seja, 9 dias após a decisão, encerraria a competência da prolatora da decisão e função da perda do foro por prerrogativa de função o que resultaria na redistribuição do procedimento investigatório e cautelares em curso.

A prisão durante o recesso forense é um duro golpe na defesa que além de ficar sem aceso aos elementos do processo pode contar apenas o plantão judicial para julgamento de Habeas Corpus e outras medidas. Quem milita na área penal sabe da gravidade dos obstáculos ao regular exercício da advocacia.

Evidente que o fim do mandato, inexoravelmente, encerraria a continuidade delitiva daquilo que o Ministério Público descreveu como organização criminosa.

Se a aludida organização criminosa dependia da chefia do executivo para a prática de ilícitos, bastaria uma decisão cautelar para afastar o Prefeito Marcelo Crivella do cargo e com isso interromper qualquer possibilidade de prática de ilícito de natureza penal.

O que sustentamos nesse artigo encontra previsão na disposição do §6º do artigo 282, do Código de Processo Penal, senão, vejamos:

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

O afastamento cautelar do Prefeito, somado a impossibilidade de comunicação entre os investigados e a suspensão da execução dos contratos, em tese, tidos como ilegais se revelariam como medidas aptas e suficientes para preservar o resultado útil da investigação.

Igual entendimento foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do afastamento do Governador Wilson Witzel.

A decisão informou serem ilegais diversos contratos celebrados na gestão municipal mas foi incapaz de  determinar a suspensão. Foi mais fácil determinar a prisão cautelar!

Gostemos ou não de sua ideologia política, aprovemos ou não as ações de seu mandato, temos em curso uma prisão manifestamente ilegal. Não se trata de defender o Prefeito Marcelo Crivella mas sim defender a adequada e eficaz aplicação do ordenamento jurídico em atenção a preservação do direito fundamental a liberdade.

No contexto democrático o contraditório político é necessário e não pode ser capaz de subverter as regras constitucionais da liberdade enquanto direito fundamental.

O código de processo penal informa que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

Os elementos ensejadores da prisão preventiva estão ausentes no caso da prisão do Prefeito Marcelo Crivella, com o fim próximo do mandato e com o encerramento do exercício fiscal, temos a ausência de risco para a ordem publica.

Igualmente cumpre assinalar que a liberdade de Marcelo Crivella não gera qualquer perigo para a continuidade da instrução processual.

Corroborando com o que sustentamos nesse artigo o Presidente do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão determinando a prisão domiciliar do Prefeito Marcelo Crivella, ocasião em que informou:

"Entendo que não ficou caracterizada a impossibilidade de adoção de medida cautelar substitutiva menos gravosa", disse o ministro na decisão, que destacou que, segundo a jurisprudência do STJ, a prisão preventiva só deve ser mantida quando se mostrar imprescindível.

Pelo exposto, o juiz tem o dever de decretar a medida menos gravosa possível como forma de garantir o direito fundamental a liberdade.

*advogado, doutorando em direito pela UVA, mestre em direito pela UVA, pós-graduado em Direito Público pela FEMPERJ, Membro do Instituto dos Advogados do Brasil – IAB

 

 

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