Opinião | Os empregos que vêm do lixo – a economia circular do papelão

Por Wagner Victer, Engenheiro, Administrador
e Jornalista

 

Gosto muito de observar assuntos da área de desenvolvimento econômico, não só por ter sido Secretário desta área pelo Governo do Estado por 8 anos, mas principalmente pelos resultados para a geração de empregos, na criação de oportunidades e uma série de outros benefícios indiretos como a questão da melhoria na segurança pública e, em alguns casos, no meio ambiente, como no case objeto desse artigo.
Na questão do meio ambiente, é preciso reconhecer a chamada “logística reversa”, que é o aproveitamento de matérias para sua reintrodução em ciclos produtivos, e que caminha de maneira muito rápida em nossa sociedade, porém ainda de maneira muito tênue em nosso país. Uma coisa é fato: a chamada “Economia Circular” é uma tendência da sociedade moderna.

No Rio de Janeiro o tema tem um grande potencial, apesar de nossa empresa de limpeza urbana, a Comlurb, ser muito eficiente em uma série de atividades, ela ainda não tem desenvolvido um trabalho de coleta seletiva adequado e com a capilaridade necessária.

Recentemente conversando com minha amiga Angela Costa, Presidente da Associação Comercial (ACRJ) e uma das maiores investidoras no setor de embalagens do país, com uma moderna fábrica localizada em Saquarema, na Região dos Lagos, cheguei a uma constatação de uma situação extremamente preocupante, mas que ao mesmo tempo se torna uma oportunidade para geração de empregos, especialmente aqui na Capital e na Região Metropolitana. Ela me disse que grande parte da matéria prima para produção de papelão tem sido importada do Egito!! Fiquei extremamente impressionado com esse fato, pois a um país da nossa dimensão, e potencial, ter que importar um insumo simples como esse do Egito certamente se conclui que há algo errado, principalmente considerando que o frete tem um valor significativo diante do baixo peso específico que tem tal produto.

Com o incremento chamado e-commerce e com a prática crescente de pedir comida em casa através de aplicativos, o uso do papelão, e outros materiais para embalagem, tem um aumento de uso nas grandes centros urbanos e logicamente o seu resíduo também tem tido elevada geração e, portanto, ter políticas públicas e ações concretas com participação privada podem representar não só uma questão de geração de renda, mas também um elevado potencial de empregos na capital, especialmente para pessoas que hoje estão desempregadas, muitos moradores de rua.

Os mais atentos com certeza perceberam que não temos mais visto com a mesma frequência os chamados catadores de papelão, que antigamente tinham suas carrocinhas e eram chamados “burros sem rabo”, mas que sempre tiveram um papel extremamente importante na cadeia produtiva, já que o papelão utilizado no país 50% vem, historicamente a sua matéria prima oriunda, da própria reciclagem de papelão.

A informação que pude prospectar é que com a Covid-19 muitas pessoas que faziam esse trabalho de coleta nas ruas se afastaram e esse suprimento para os sistemas de reciclagem reduziu brutalmente, consequentemente impactando a própria geração de emprego nessa área, o que faz com que tenhamos que reduzir a produção local do papelão, tendo que absurdamente importar a matéria-prima.

As intervenções na área de desenvolvimento econômico muitas vezes são simples e caminham até para o óbvio e em muitos casos basta uma mera implementação de ações para que se possa fomentar um segmento, o que deve ser feito de forma pragmática e com um foco específico e principalmente se afastando daquela visão meramente de alguns economistas liberais que consideram que a “mão do Mercado” resolve tudo, que neste caso está até resolvendo, mas importando empregos e papelão do Egito.

O foco para a chamada economia física é fundamental ao invés de sonhar, portanto, com essas ações das soluções via a “mão invisível do mercado” e sim com ações concretas, que nesse caso devem caminhar pelo próprio poder municipal, para resolver gargalos e atuar rapidamente revendo situações como essa que no mínimo surreal. Portanto, um diagnóstico do óbvio e a definição de ações concretas com a própria empresa de coleta pública podem rapidamente gerar empregos, para muitos que inclusive estão morando nas ruas. O “case” desses empregos que vem do lixo como no caso do papelão é apenas um de uma série de pequenos exemplos, onde podemos atuar rapidamente para revertermos a situação do elevado nível de desemprego e abandono pela qual passa nosso estado, especialmente a cidade do Rio de Janeiro, inclusive oferecendo opções aos chamados moradores de rua, com outros itens recicláveis como vidros, plásticos, pet e metais.

As soluções e ações não são complexas, basta sair do processo da teorização e considerar que as soluções não precisam vir de um diagnóstico feito por universidades internacionais, como Harvard e Columbia, e que basta colocar a mão na massa. No caso do papelão, as ações vão de apoio aos catadores, definições de canais de logísticas para entrega, doação de carrinhos de coleta, campanhas de conscientização para separação, até a instalação de dispensers públicos para recicláveis.

Durante a construção da nova sede da Alerj, onde atualmente me encontro como diretor-geral, adotamos um trabalho de aproximação com cooperativas de reciclagem, inclusive envolvendo a própria concessionária Light, que aliás faz um bom trabalho nesse sentido, e todo material de papelão gerado durante a obra e na aquisição de mobiliários foi devidamente separado para a reciclagem. Esse apenas foi um único episódio, a título de exemplo, envolvendo o papelão, mas devemos nos atentar ao fato de que empresas e a sociedade, logicamente com a devida indução do Poder Público, através inclusive de suas estatais e órgãos, pode com pequenas ações como essa movimentar diversos outros mercados e produtos, explorando oportunidades financeiras ao mesmo tempo que estaremos gerando empregos, atuando com sustentabilidade ambiental e progresso social em nosso território.