A Baleia ... antes da Garota de Ipanema

Por Rogério Torres*

Não vamos nos enganar: o Rio de Janeiro do século 16 não sobrevivia apenas das rendas que a agroindústria da cana-de-açúcar lhe proporcionava. Exportava madeiras, farinha de mandioca, peixe salgado, cachaça e óleo de iluminação para as capitanias do norte, São Vicente, África e região do Prata. Devemos levar em conta que a União Ibérica iria favorecer uma interação comercial da colônia portuguesa, e em especial do Rio de Janeiro, com a América espanhola.

A partir do governo de Salvador Correia de Sá e Benevides, graças à sua infraestrutura, posição geográfica e, em especial, ao seu porto, o Rio de Janeiro assume um importante papel no cenário político e econômico do Brasil. Assim, a pesca da baleia se desenvolve juntamente com as demais atividades produtivas da capitania. Ela começa a partir do século 17, quando a técnica de captura foi introduzida no Recôncavo Baiano pelos bascos. Búzios, Niterói e Ilha Grande assumem especial importância. Embora de grande significação para a economia da capitania, era uma atividade sazonal, pois dependia da migração do cetáceo que vinha do Polo Sul para regiões mais quentes durante o inverno, onde encontrava condições propícias para a procriação. E aqui elas adentravam pela Baia de Guanabara. Isso pode ser comprovado, além dos registros e crônicas, pela pintura de Leandro Joaquim (1738-1798), Pesca da Baleia na Baia de Guanabara.

Depois de arpoadas, as baleias eram levadas para as “armações”, locais providos dos equipamentos necessários para o destrinchamento e consequente proveito das partes economicamente úteis.

Quase tudo da baleia era aproveitado. O óleo era utilizado como combustível para as lamparinas, lampiões, lubrificantes e demais usos. A carne era consumida pela população pobre e escravos. Embora se diga que o óleo era adicionado à cal para ser utilizado no assentamento de tijolos e como aditivo para argamassa, não há comprovação para este fato. Cartilagens e tendões eram utilizados pelos sapateiros, as barbatanas para a confecção de espartilhos. Até mesmo matéria destinada à indústria de cosméticos era retirada do cetáceo.

No século 18, com o crescimento da produção do ouro que vinha das Minas Gerais e era exportado pelo porto do Rio de Janeiro, aumentou a circulação de navios, provocando uma redução na atividade pesqueira. Para evitar um colapso no fornecimento de óleo para a exportação e iluminação pública, foram criadas várias armações ao longo do litoral do Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.

Reza a lenda que do Arpoador – onde Cazuza vagava na lua deserta de suas pedras – era possível “fisgar” baleias que passavam não muito longe da praia. Hoje, isso não é mais possível – se é que um dia foi –, mas, em compensação, podemos ver a garota de Ipanema “que vem e que passa num doce balanço a caminho do mar..

*Historiador