Água em seis dias? Será possível?

Por Rogério Torres*

Para tudo o que fazemos, de bom ou de mau, recebemos da natureza uma resposta. Quando atiramos nos rios lixo e detritos, a resposta virá sob a forma de enchentes e alagamentos. O desmatamento, por exemplo, traz consigo uma série de consequências desastrosas: perda da biodiversidade, erosão do solo, extinção dos rios, alteração do clima, desertificação, perda de recursos naturais.

O Rio de Janeiro sentiu algumas dessas consequências na segunda metade do século 19. Ao longo de quatro séculos, a vegetação que recobria o Maciço da Tijuca foi sendo derrubada para o cultivo da cana-de-açúcar, café, ou mesmo para a extração de madeira aplicada em construção ou fabrico de carvão. Como não podia deixar de ser, a natureza mandou a conta: começou a faltar água na cidade.

Diante desse grave problema, Pedro II, em 1861, ordenou a desapropriação de extensas áreas degradadas para replantio. Para isso foi escolhido o major Manoel Gomes Archer, entusiasta de nossa flora e que possuía um sítio em Guaratiba com diversas mudas de árvores nativas. Ao longo de 13 anos o major Archer, auxiliado por meia dúzia de escravos e alguns trabalhadores livres, conseguiu replantar mais de 100 mil árvores. A floresta que tanto nos encanta - hoje considerada a maior floresta urbana do mundo - estava momentaneamente salva.

Mas, apesar disso, o problema da falta de água continuava a flagelar a população da cidade. Para piorar o quadro, as chuvas torrenciais não encontrando um sistema de escoamento eficiente, favoreciam o alagamento de muitos terrenos baldios, fazendo proliferar a mosquitada alegre e faceira. E lá vinham aqueles mosquitos, perigosos e insuportáveis, tocando, desafinadamente, o seu violino Stradivarius no ouvido dos fluminenses e espalhando a febre amarela. Quem tinha cabedais tomava a “barca” para Petrópolis tentando se livrar das epidemias. Lá, além de estar longe da mosquitada, ainda podia gozar da presença benfazeja do imperador e sua família.

Mas a plebe rude e ignara não podia fazer o mesmo que a elite, era obrigada a ficar no Rio trabalhando duro para conseguir sobreviver. No início de 1889 a situação era grave.
Em fevereiro a epidemia aumentou. Angelo Agostini na sua Revista Ilustrada propõe que se aumente o abastecimento de água. No dia 9 de fevereiro, a mesma Revista Ilustrada denuncia a morte de crianças e a inoperância das autoridades.

José do Patrocínio, eternamente grato à princesa Isabel pela libertação dos escravos, tenta minimizar a crise. Pelo Diário de Notícias, Rui Barbosa critica o governo. Patrocínio pelo Jornal Cidade do Rio, argumenta que o problema era antigo, anterior ao governo de Pedro II, que já governava por quase meio século. Patrocínio afirmava que o problema da água só poderia ser resolvido em pelo menos um ano.

A pressão da imprensa aumenta. Em editorial de 10 de março, o Diário de Notícias anuncia que a solução do problema não era prioridade para o governo. Aponta como solução a captação de água através dos mananciais da serra do Tinguá, na Baixada Fluminense, distante da Corte cerca de sessenta quilômetros. Segundo o jornal, que consultara especialistas, a água poderia jorrar na cidade em apenas seis dias. No dia 11 de março, Rui Barbosa divulga o número de mortos vitimados pela febre. No dia seguinte cerca de duas mil pessoas marcham para o centro da cidade pedindo água.

E o bate boca entre governo e imprensa continua em relação aos prazos para a solução do problema.No dia 16 de março, o engenheiro Paulo de Frontin, em carta publicada no Diário de Notícias, garante que seria possível abastecer a cidade em seis dias com 15 milhões de litros de água. O projeto de Paulo de Frontin e Belfort Roxo, professores da Escola Politécnica, saiu vencedor, derrotando os escritórios de engenharia privados.

Patrocínio debocha do jovem e desconhecido engenheiro que prometia fazer em seis dias aquilo que Deus, para criar o mundo, só conseguira fazer em sete.


Apesar das pressões políticas, exigências absurdas e sabotagens, Paulo de Frontin e sua equipe trabalhando, nas piores condições, inclusive sob fortes temporais, em seis dias conseguira trazer água para a Corte. Foi a maior saia justa para o ministro Rodrigo Silva, que tudo fazia para que o jovem engenheiro da Politécnica desse com os burros n’água. Frontin provara para os incrédulos, derrotista e baba-ovos do poder que com vontade política e competência o monstro assustador da falta de água teria fim. Davi matara Golias com uma certeira porrada bem no meio da cuca.

*Historiador