Por:

Adoração pelo artista

Por Ruy Castro*
 
Imagine-se, sendo um músico e cantor famoso, tendo alguém a seu lado quase todo dia fotografando-o, até nu, e colecionando tudo a seu respeito –partituras, discos, críticas, reportagens, contratos, cartas, bilhetes de fãs e objetos pessoais, inclusive um rol de roupa para a lavanderia registrando o envio de 90 lenços (os famosos lenços com que ele enxugava a testa nos shows e impedia que o suor das mãos passasse para o trompete).
 
O artista era, claro, Louis Armstrong (1901-1971), e esse fã era o fotógrafo Jack Bradley, que morreu há dias em Massachussetts, aos 87 anos. Em 1959, Bradley foi a um show de Louis em Cape Cod e isso mudou sua vida.
 
Apresentou-se a ele, foi bem recebido e começou a cobrir suas apresentações. O que fazia por conta própria, até que Joe Glaser, agente de Armstrong, começou a dar-lhe algum, pelo menos para os filmes. Em pouco tempo, Bradley ganhou o afeto de Louis e de sua mulher Lucille e livre acesso à casa deles no Queens, em Nova York. E, pelos 12 anos seguintes, até a morte de Louis, isso resultou em 6.000 fotos oficiais.
 
O próprio Louis era fanático por autodocumentação. Quando morreu, descobriu-se que deixara um colosso de recortes, documentos e mais fotos, além de dezenas de fitas que gravava em casa, contando sua trajetória no jazz. Bradley apenas se juntara feliz da vida à tarefa. Quando Louis soube que ele o fotografara nu, de costas, gritou: “Quero uma!”.
 
Tal adoração por um artista não é incomum. No Brasil, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba e Marlene tiveram fãs assim e, graças a eles, seus acervos foram preservados. Só que na casa de cada um, sem ajuda de ninguém e em risco de se perderem quando eles se forem.
 
A casa de Louis Armstrong é hoje seu museu, mantido pela Universidade do Queens. Você, sem saber, já passou pela frente dela, de táxi, a caminho do aeroporto Kennedy ao voltar para o Brasil.