De volta ao Centro

Por Ernesto Ventura*

Toda cidade possui o seu centro, origem de sua criação que, conforme o seu crescimento e desenvolvimento, vai expandindo-se em uma mancha urbana nem sempre planejada ou programada. No caso do Rio de Janeiro, como de outras cidades brasileiras, o Centro e seu entorno próximo acabaram por se transformar em uma região voltada apenas, ou predominantemente, para o comércio, os serviços, para as atividades profissionais, corporativas e empresariais, perdendo em grande parte a sua característica residencial, que estava marcantemente presente em sua origem, que se espalhou em diversas direções: zona sul, zona norte e mais recentemente, oeste.

Passadas algumas décadas, começa-se enfim a rever este modelo que resultou em um enorme desperdício de recursos econômicos, de infraestrutura, mas principalmente do tempo de vida das pessoas em seus deslocamentos cada vez mais longos e demorados.

Tudo isso já é há algum tempo sabido, registrado, estudado e discutido como também é observado que, em várias cidades importantes no mundo, o Centro ocupa um importante lugar como local de moradia de sua população. Vide os casos de Londres, Paris, Nova Iorque, Lisboa, Madri e várias outras de igual ou menor destaque na cena internacional.

Portanto, seria mais que natural, seria de extrema racionalidade ocuparmos espaços no Centro do Rio e em seu entorno com residências para as mais diversas camadas da população, diminuindo as distâncias e aproveitando áreas e vazios urbanos que se distribuem em grande quantidade, por locais como Lapa, Glória, Fátima, Saúde, Gamboa, Estácio e São Cristóvão, este último uma região com inúmeros atrativos como, em particular, a Quinta da Boa Vista.

É fato que o interesse das incorporadoras e dos agentes do mercado imobiliário sempre foi um forte componente na indução do crescimento das cidades, mas acredito que mesmo este setor começa a se dar conta das vantagens e oportunidades possíveis ao investir em regiões com infraestrutura disponível e já consolidada no recondicionamento (retrofit) e modernização de imóveis existentes, que poderiam atender a uma enorme população, que mostra-se cada vez mais interessada em residir o mais próximo possível do trabalho e da disponibilidade de serviços para atendê-la, sem a necessidade de grandes deslocamentos, seja em veículo próprio, seja fazendo uso do transporte público.

O advento da pandemia de SARS-CoV2 / COVID19 trouxe novas questões que voltam a abrir discussões sobre o Centro do Rio, seu processo de abandono e sua “decadência”. Novamente, a ideia do resgate da função residencial volta a ganhar força, desta vez associada a novos modelos de ocupação dos imóveis que poderiam ser recondicionados de forma a poderem permitir morar e trabalhar em um mesmo prédio, onde se poderia, perfeitamente, ter apartamentos de diversas dimensões e formatos, situados em alguns andares enquanto em outros teríamos escritórios, em outros áreas de lazer, de serviços, de convivência, de coliving e de coworking.

Como se pode ver, as possibilidades são infinitas com um retorno extraordinário para a cidade e seus habitantes, ou alguém dispensaria uma vista como a da Baía de Guanabara a partir da Av. Beira-Mar, da Glória, da Praça Mauá, de Santo Cristo ou de alguns pontos de Saúde, Gamboa ou mesmo São Cristóvão, que ainda oferece amplos visuais da Quinta da Boavista?