Dona Ivone Lara e seu glorioso centenário

Por Ricardo Cravo Albin*

Advirto aos meus estimados leitores que a Crônica de hoje não se destina às reclamações habituais em relação aos delírios do governo ao tentar abortar uma bem-vinda CPI sobre a pandemia e sua péssima gestão.

O Instituto Cravo Albin começa a celebrar o centenário de uma das rainhas da cultura popular carioca. Isso se inicia neste 13 de abril no Teatro Rival.

D. Ivone Lara é distinguida com o título quase nobiliárquico de Dona, o que significa um quase aproveitamento da palavra inglesa dame, que envolve nobreza e agradecimento do Império Britânico a seus cidadãos mais ilustres.

Canções nunca gravadas da compositora ganham registro em EP lançado ontem, quando ela faria 100 anos. O álbum — que tem as vozes de Gilberto Gil, Maria Rita, Xande de Pilares, Dudu Nobre, Pretinho da Serrinha, Fundo de Quintal e Dandara Mariana — acompanha a chegada às plataformas digitais do “Baú da Dona Ivone”, lançado em 2012.

Ivone Lara cumpriu uma longa e maturada carreira dentro da música popular. Nesse mais de meio século ela produziu originalidades que nos encantaram a todos. Como não considerar originalidade o fato de ela, mulher e mãe de família, ingressar na ala dos compositores do então recém-fundado Império Serrano, isso quando a ala era um clube apenas de homens, ao finzinho dos anos 40? Ivone Lara – eu diria sem medo de errar – foi tão pioneira com esse evento extraordinário quanto Chiquinha Gonzaga o fora menos de cem anos antes ao abraçar e praticar, com fúria e volúpia, a música carioca, também exclusiva dos adões.

E como não considerar originalidade o fato de que ela compôs sambas-enredo memoráveis para o Verde e Branco, levando-o à conquista de títulos?
Finalmente, como não se chamar de originalidade o fato de Ivone Lara ter cumprido uma carreira de compositora, onde melodias refinadas estão sempre à disposição da dignidade do samba e de seu vértice de excelência?

Portanto, seja como mulher pioneira nas escolas e como compositora de clássicos da MPB, seja como cantora portentosa e como personagem de irresistível fascínio pessoal, Ivone Lara fez por onde merecer o consagrador dona antes do nome.