Com choro, sem vela

Por Olga de Mello*

De repente, muito mais que de repente, os amigos próximos e os distantes partem neste ano de praga bíblica. A doença nos circunda e se aproxima sorrateira, atacando gravemente quem não tinha qualquer comorbidade conhecida.

O meio de jornalistas do Rio é pequeno, quase todos trabalharam juntos em várias redações. Aloy Jupiara, que morreu, aos 56 anos, na noite de terça-feira, entrou em “O Globo” nos anos 1980. Bom companheiro de trabalho, doce, engraçado, fez de tudo em jornal – da reportagem, passando pela pauta e, nos últimos tempos, na edição do jornal “O Dia”. Escreveu, com o colega Chico Otávio, livros-reportagem abordando a corrupção dos valores brasileiros, como “Os porões da contravenção”, que tratava da ligação dos banqueiros do jogo do bicho com forças policiais na ditadura militar. Afável, primava pela discrição e gentileza, conquistando amigos onde trabalhava.

Se a Covid-19 só ia pegar os velhinhos, os doentes, os débeis, faz tempo que já percebemos quanto a letalidade se espalha por outros grupos etários e saudáveis. Num deles estava o Aloy, que, tão cedo não teria como ser vacinado. No fim desta semana, ele integrará a estatística de – provavelmente – mais 20 mil mortos pela Covid-19 no Brasil. Boa parte não teve sequer o atendimento médico privilegiado a que Aloy pôde ser submetido. Em comum, todos os nossos mortos não terão velório, serão enterrados ou cremados sem cerimônias de despedidas para evitar mais contágios.

Uma das últimas edições do Aloy, no “Dia” trazia na primeira página, superposta à imagem de uma caveira, um mapa do Brasil feito de cruzes. E a pergunta “300 mil mortes. Até quando?” Dias depois, ele estava internado.

Hoje, sobra choro, faltam as velas. Até quando?