Quousque tandem abutere, Bolsonaro, patientia nostra?

Por Marcio de Oliveira Dias*

Até quando, realmente, suportaremos a grosseria intelectual, a subversão dos procedimentos jurídicos para proteger um dos seus rebentos das consequências do óbvio desvio de salários de seus assessores, a negativa dos princípios da ciência e a adesão a ficções de remédios e “sprays” milagrosos para combater a maior ameaça sanitária que o mundo, e o Brasil em particular, sofreram nos últimos tempos e que se traduz, por enquanto, em mais de 350.000 mortos, as frequentes ameaças, veladas ou não, à democracia e às instituições, as menções mentirosas (espero) ao “meu exército”, o desprezo criminoso ao meio ambiente, a reviravolta na tradição diplomática do país que, com a ajuda abjeta de um desequilibrado “chanceler” promoveu na outrora respeitada política externa brasileira, e inúmeros fatos mais que caracterizam o absoluto desgoverno a que estamos submetidos?

Até quando teremos de ouvir “Tenho vontade de encher sua boca de porrada” como resposta à pergunta de um jornalista sobre a razão do recebimento, pela primeira dama, de cheques no valor de cerca de 90 mil reais, do suspeito de operação das “rachadinhas” do seu filho? Um político de baixíssimo escalão, que em 28 anos de mandato como Deputado Federal jamais teve um projeto decente apresentado, um militar expulso das fileiras do Exército por tentativa de atos subversivos, um parasita dos cofres públicos por (agora mais de) três décadas, que, por uma quase inimaginável, mas infelizmente acontecida, coincidência de circunstâncias, viu cair no seu colo a Presidência da nação, ao invés de dar graças a Deus pela inesperada e mais que imerecida dádiva do destino, só pensa agora em prorrogá-la, senão mesmo eternizá-la.

Tendo recebido, sem nenhum mérito, o presente da Chefia da nação, por um enquadramento fortuito dos fatos que fez com que o povo o preferisse ao PT, por estimar que seria indesejável a repetição, por mais quatro anos, dos excessos da corrupção petista (decisão que hoje, à luz do lamentável desempenho apresentado pelo atual Presidente, pode até parecer discutível), o atual Presidente só pensa em prorrogar o seu suposto “reinado”, para gozar dos privilégios do poder, levar o país a adotar os seus deformados princípios e, como desejado efeito colateral, proteger os seus lamentáveis “príncipes herdeiros”.

E tem a arrogância e a pretensão de renovar o seu mandato. É o caso de fazermos a pergunta de Cícero a Catilina, “quousque tandem”?

Até quando a nação aguentará a subversão dos princípios democráticos, a absoluta incompetência de gestão, a mentirosa versão de honestidade, a entrega das verbas do Governo ao chamado “Centrão”, a erosão do bom conceito internacional do país conquistado por quase dois séculos de expressiva atuação diplomática, a permanente ameaça às liberdades constitucionais, a celebração dos torturadores e da época em que as referidas liberdades mais estiveram não só ameaçadas, mas brutalmente reprimidas?

Suportar tal estado de coisas para que e por que? Prorrogar tais absurdos, para que? Para que o primogênito possa comprar mais mansões em Brasília com financiamentos duvidosos? Para que os outros “príncipes” possam continuar a exercer poder sobre as relações exteriores? Para que os laboratórios do Exército fabriquem mais a inútil (e até mesmo prejudicial) cloroquina? Para que o “gabinete do ódio” continue a denegrir reputações? Para que o genocídio da população brasileira continue? Para que se intensifiquem as tensões na justiça? Para que se eternizem as pedaladas fiscais?

Já está mais do que na hora de se por um paradeiro a essas e a muitas outras deformações que atingem o país há mais de dois anos.

O antigo Presidente da Câmara dos Deputados segurou mais de 30 pedidos de “impeachment”. O atual Presidente, eleito basicamente por Bolsonaro, dificilmente dará prosseguimento a outros. O que fazer? Esperar pacientemente por um milagre que livre a Nação desse flagelo?
A CPI da Covid é uma pálida esperança. Mas o que parece mais realístico, ainda que dando um tempo de quase dois anos para mais destruição das instituições, é a eleição de 2022. Longe, mas, se Deus é de fato brasileiro, o país poderá aguentar até lá. É o que eu e, estou certo, a maioria do povo brasileiro, torce para que aconteça. E que esses quase dois anos passem o mais depressa possível.

*Embaixador aposentado. Ex-embaixador no Cairo (e Sudão), Assunção e Bruxelas (e Luxemburgo), ex-subsecretário Geral da Presidência da República