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Lições de uma tragédia

Por Jorge Jaber*

A morte do menino Henry, atribuída pela Polícia a agressões cometidas pelo padastro, provocou comoção geral, agravada pela possível omissão materna. O choque é compreensível: crianças simbolizam pureza e inocência, e as mães, carinho e proteção. O caso abala nossas mais profundas estruturas emocionais, e isso nos leva, inconscientemente, a encará-lo como um ponto fora curva. Um sentimento natural, assim como o alívio diante da prisão dos culpados. Precisamos, porém, nos aprofundar na questão, pois a violência infantil é mais comum do que gostaríamos, com raízes psicológicas e sociais que merecem análise.

Seria leviano, sem os devidos exames, atribuir qualquer transtorno psíquico ao casal. Sabemos, porém, que boa parte dos agressores tem distúrbios de personalidade, perfeitamente tratáveis. É possível detectar potenciais sintomas agressivos, controlando-os com terapia, medicamentos ou ambos. Buscar ajuda especializada, ao primeiro sinal de desconforto psicológico, pode ser a chave para refrear eventuais impulsos violentos.

Devemos considerar também a questão social. Não é o caso de Henry, mas a falta de condições mínimas de alimentação, moradia e educação produz um quadro de frustração muitas vezes canalizado para a violência. Incapazes de se defender ou de denunciar os abusos, as crianças viram um alvo fácil. Pior: se tornam, também, potenciais agressores, perpetuando este círculo perverso.

A solução de um caso específico, repito, traz um alívio momentâneo, mas as causas estruturais da violência infantil no Brasil não apenas persistem como se agravaram com a pandemia. É possível combatê-las, com uma rede ampla e gratuita de saúde mental, associada a campanhas de esclarecimento. É preciso, também – tarefa mais difícil mas nem por isso menos urgente –, diminuir o profundo abismo social que nos marca. Enquanto negarmos uma vida digna à maioria da população, a perspectiva de novos dramas como o de Henry continuará a nos assombrar. Que a tragédia sirva, pelo menos, de alerta.

*Grande Benfeitor da Academia Nacional de Medicina e professor de Psiquiatria da PUC-Rio

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