A possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa

Por Cassio Rodrigues Barreiros*

O Preâmbulo da Constituição da República imprime a direção e os valores seguidos pela nossa Carta Constitucional. Importante ressaltar que o preâmbulo expressamente afirma que as controvérsias na ordem interna e externa serão resolvidas de forma pacífica, verdadeira tradução da consensualidade.

Como reflexo do valor constitucional o novo Código de Processo Civil incentiva que incentiva o agir colaborativo das partes para a solução consensual e impõe ao juiz um papel de grande importância para buscar, sempre que possível, a autocomposição.

No campo penal o denominado acordo de colaboração premiada ganhou bastante notoriedade e força com a operação lava-jato, o judiciário brasileiro foi inundado com um elevado número de acordos que possuíam cláusulas de não persecução penal, cessar fogo, estabelecimento de redução da pena e suas inúmeras variáveis a juízo de conveniência e oportunidade, em sua concepção teórica adequada, ou seja, enquanto correta escolha das hipóteses legais possíveis para atender o interesse público. Em todos os casos a validade do acordo é condicionada a homologação pelo judiciário.

A Lei de Ação Civil Pública desde 1990 garantia a possibilidade de celebração de termo de ajustamento de conduta. Em 2018 a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro sofreu considerável alteração com a introdução do art. 26, que passou a admitir a possibilidade de autocomposição em matéria de direito público.

Em matéria de improbidade administrativa a inclusão da possibilidade de celebração de acordo de não persecução civil foi inserido de forma tardia. Somente em 2019, com a alteração introduzida pela Lei 13.964/2019, passou-se a admitir a possibilidade de celebração de acordo de não persecução civil, conforme se extrai da nova redação do art. 17, §1º da Lei 8.249/1992, vejamos:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.

O acordo de não persecução cível tem por finalidade principal impedir o início de uma ação civil por ato de improbidade administrativa, mediante a aceitação de condições impostas aos agentes responsáveis pela prática de ato improbo. Em boa medida, busca-se evitar surpresas ao longo do processo judicial, diante do elevado risco de constrição patrimonial, perda da função pública ou suspensão dos direitos políticos.

O acordo de não persecução civil traduz em essência uma maior segurança e, até mesmo, um conhecimento prévio das medidas a serem cumpridas e impede as incertezas e os riscos advindos de uma ação civil por ato de improbidade. Afinal, estamos diante da possibilidade de delimitação dos resultados e repercussão.

Como se sabe a mera distribuição da Ação de Improbidade Administrativa já é capaz de causar um enorme desconforto e causar imenso prejuízo a imagem de agentes políticos. Em nossa cultura jurídica há uma indevida “criminalização” dos casos de improbidade administrativa mesmo se tratando de mera ação de natureza cível.

A Lei de Improbidade Administrativa em seu art. 12, prevê as seguintes sanções para os atos de improbidade administrativa que podem ser aplicados isoladamente ou de forma cumulativa, a saber, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar ou receber benefícios do poder público, esta última se traduz em verdadeira pena de morte para aqueles que celebram contratos com a administração pública.

Importante ressaltar que o acordo de não persecução civil pode ser aplicado, ainda, aos processos já em curso, ou seja, aquelas demandas que já foram ajuizadas. Portanto, não se restringe apenas questões pendentes de ajuizamento.

A inovação legislativa reflete um importante avanço na introdução inequívoca do consenso em matéria de improbidade administrativa. Muitas dúvidas e questionamentos surgirão até que o Instituto se aperfeiçoe. Aliás a Lei de Improbidade Administrativa passou ao longo dos anos por releitura pelos Tribunais Superiores.

Em importante contribuição para a o tema Humberto Dalla Bernardina de Pinho, em artigo científico externa sua preocupação com os problemas que poderão surgir diante da omissão legislativa que deixou por exemplo, de estabelecer a necessidade de homologação do acordo. O texto é essencial para a compreensão da profundidade da matéria.

Por fim, acreditamos que o acordo de não persecução cível em matéria de improbidade administrativa, enquanto instrumento de efetivação do consenso, se tornará uma realidade e uma tendência, sobretudo diante da segurança jurídica, celeridade e elevado grau de certeza que o instrumento construído por meio dialógico trará para as partes.

¹BERNARDINA DE PINHO, Humberto Dalla. O Consenso em Matéria de Improbidade Administrativa: Limites e Controvérsias em torno do Acordo de não Persecução Cível Introduzido na Lei N° 8.429/1992 pela Lei N° 13.964/2019. Revista Interdisciplinar de Direito, [S.l.], v. 18, n. 1, p. 145-162, jul. 2020. ISSN 2447-4290. Disponível em: <https://revistas.faa.edu.br/index.php/FDV/article/view/845>. Acesso em: 22 abr. 20

*doutorando em direito pela UNESA, mestre em direito pela UVA, especialista em direito público. Advogado