Politicagem digital: uma inversão de valores compartilhada

Por Francisco Guarisa*

Desde o final da década de 70, a abertura política proporcionou a diversos cidadãos o ingresso ao universo político, como oportunidade de representar, de múltiplas formas, seu bairro, entidade de classe, cidade, estado ou simplesmente seus ideais sociocomunitários. Além disso, a Lei da Anistia também permitiu que agentes políticos retornassem ao país e buscassem sua melhor forma de representatividade, após um longo e compulsório “ostracismo”. Era o início de uma postura mais marqueteira por parte dos candidatos. A partir daí, percebe-se o início de um movimento subliminar de construção de identidade de valor, nos mais variados sentidos e partidos, que por ora eram fundados ou restaurados.

Partindo da premissa de que um político elegível é um representante do povo no parlamento, podemos inferir que esta é uma função cívica. Mas o que se vê, desde então, são alguns políticos que usaram esta abertura como uma oportunidade de negócio. Ao analisarmos esta trajetória, constata-se a criação e manutenção de múltiplos “feudos” através de uma extensa oligarquia, do norte ao sul do país. São gerações familiares mantendo suas chancelas, sob a égide de promessas de melhorias sociais, empregos e soluções que efetivamente não acontecem.

Neste contexto, o marketing político ganhou uma dimensão de valor surpreendente, na medida em que políticos passaram a investir, pessoal e partidariamente, verdadeiras fortunas para se perpetuarem no poder. E as estratégias vêm se adaptando ao longo do tempo, como vimos na última eleição presidencial. Ela evidenciou um turning point estratégico ao mostrar uma polarização extremada, provocada por um marketing digital agressivo, criando um universo fictício de verdades absolutas em contraponto a um mundo de certezas relativas.

Não se espantem se, para as próximas eleições, políticos e partidos continuarem a crescer assustadoramente seus investimentos em marketing digital, concentrando boa parte em ações de Inbound, produzindo mais influenciadores digitais profissionais que defendam bandeiras fictícias. Até mesmo, desenvolvendo aplicativos exclusivos, que possam estreitar o relacionamento com eleitores. Serão equipes multidisciplinares, ferramentas de monitoramento, modelagem de dados e tudo mais, substituindo únicos estrategistas em nome da construção de uma identidade de valor que garanta um posicionamento único, amplie sua relevância e, acima de tudo, seja percebida como real.

Muitas dessas estratégias deverão ser bem-sucedidas, tanto através de uma ignorância política, comodismo, inércia ou como forma de protesto do eleitor. O fato é que o nível de sofisticação das campanhas de marketing e investimento financeiro, para conquistar ou manter seu status quo, só tende a crescer. Diante disso, só nos resta acordar e entender que o mundo não pode mais ser regido pela percepção, mas sim pela realidade. Enfim, precisamos amadurecer para cobrar dos agentes políticos propostas mais verdadeiras e humanas, sem tantas “personas digitais”.

*Consultor e Executivo de Marketing e Gestão