Crônica da semana - De carnaval e saudades

Desde quando bloco de carnaval no Rio é show com palco armado, aparelhagem de som, cantores que não cantam músicas de carnaval? Só podia dar no que deu, aquele tremendo charivari de domingo, quando o Bloco da Favorita ocupou uma parte da praia de Copacabana e, ao invés de levar alegria aos possíveis foliões, provocou quebra-quebra, arrastões, tapas e pescoções. É impressionante a incúria do nosso poder público – às vezes acho que o Crivella arruma essas confusões de propósito. Deve pensar com os seus botões: “É bom que dê bastante confusão na festa pagã para o rebanho entender que só os evangélicos sabem fazer encontros de paz e amor ao som da música gospel”.

Em seu maravilhoso livro “Metrópole à Beira-Mar “ (daqueles que o Bolsonaro diria que tem “muita coisa escrita”), Ruy Castro conta dos carnavais dos anos 20, com seus corsos, blocos e batalhas de confete, tempos anteriores àquelas marchinhas que todos sabemos de cor. Em 1919, narra Ruy, ainda se recuperando do horror que foi a Gripe Espanhola no mundo e no Brasil, o Rio – para curar as cicatrizes e exorcizar os fantasmas – promoveu um carnaval inesquecível e animadíssimo, que ocupou as ruas e os clubes. 

Escreve Ruy: “Na Quarta- -Feira de Cinzas, o Rio despertou convicto de que vivera o maior carnaval da sua história”. No dia de hoje, 13 de janeiro, os cariocas estão convictos de que jamais, em tempo algum, assistiram a tamanha barbárie. Guardas atacados com vidros e pedras revidavam com spray de pimenta e gás lacrimogêneo, enquanto os marginais – que sempre apostam nesses eventos desorganizados para assaltar e machucar, quando não matar – faziam a limpa nas pessoas que tiveram a infeliz ideia de sair de suas casas, muitas delas nos subúrbios, para momentos de diversão e alegria na praia mais conhecida do planeta. Felizes só estão os artistas e os promotores, que enchem os cofrinhos com a grana dos patrocinadores. Estão importando o carnaval da Bahia, só falta trio elétrico para trancar as ruas e estabelecer de vez a loucura. Essas coisas dão dinheiro – e muito. Vê lá se Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Claudia Leitte abrem mão daquela folia toda. É muita grana que rola.

Bloco de carnaval, pra mim, é sair sambando e cantando “Mamãe eu quero mamar”, “Olha a cabeleira do Zezé” e marchinhas do gênero, cada um com sua gata e sua cerveja, e olha que como se dá em excesso, todos os anos, também desafia a paciência dos cidadãos que preferem o sossego à folia. Posso imaginar a revolta dos moradores da Avenida Atlântica, que pagam IPTU estratosférico, e, além da barulhada, tiveram que encarar a depredação do patrimônio público e a imundície que a turma deixou pra trás.

Mais uma vez: #foracrivella. Outubro taí, tá chegando.

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Meghan e Harry têm todo o direito de escolher aonde e como vão viver. Até a Rainha Elizabeth concordou e deu a sua bênção. Nas redes sociais brasileiras, Meghan e Harry também dividem: quem é pró Bolsonaro critica o casal; quem é contra, aprova. Moral da história: aqui, como em tudo mais, trata-se de democracia, do respeito ao sagrado direito de ir e vir e de cada um ter sua opinião sem que se estraçalhe quem pensa de outro jeito.

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Ganhei do meu querido Christovam de Chevalier o livro “Amigos para sempre”, uma homenagem do diretor e amigo Luis Artur Nunes à inesquecível Tônia Carrero, que colabora postumamente com os textos da peça que encenou com o mesmo nome.

Traz depoimentos de vivos, como o próprio Luis Artur, a jornalista e catedrática em teatro Deolinda Vilhena, o filho Cecil Thiré, o neto, Carlos Thiré, de Nelida Piñon, de Gerald Thomas, de muita gente boa. Noves fora os textos escritos em sua honra por Drummond, Vinicius, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, a nata dos cronistas e poetas pátrios.

Senti uma enorme saudade dela, que ficou ainda mais aguda quando soube, neste domingo, que morrera em Montpellier, França, seu grande amigo e cabeleireiro Jean Yves Satre. Os dois eram íntimos, encontrei várias vezes com ela no salão dele em Ipanema e passamos em casa de Jean, na praia da Barra, um réveillon inesquecível. Ele foi um queridíssimo amigo, além de um mestre para as várias gerações de coiffeurs e tinturistas aos quais transmitiu seu profundo conhecimento da arte de pentear e cuidar dos cabelos.

Imagino que os dois, agora, arrumaram um nuvem especial com muitos espelhos, escovas, tintas e tesouras para que Jean Yves, na eternidade, siga cuidando de nossa atriz, a mais bela em todos os tempos, Tônia Carrero, a Mariinha, que esbanjou, além da beleza, talento, carisma, gentileza e simpatia.

Adieu, mon cher ami. Restez en paix.