Eu sou o pai do filho do porteiro

Por Wagner Victer*

O depoimento caiu nas redes de forma estrondosa feito por um Ministro questionando, talvez até por deslize, o fato do filho de um porteiro estar fazendo um curso universitário, subsidiado pelo Governo Federal. Sem querer ser cabotino, oportunista ou pessoalizar uma questão preconceituosa, como sendo apenas uma crítica desastrosa a um Ministro, mas principalmente quanto à reflexão para pensamento corrente que existe, em parte das nossas elites, que pode ser velado e muitas vezes não o verbalizam.

Os milhares de filhos de porteiros, empregadas domésticas, garis, motoristas entre outras profissões que aliás são muito dignas, que porém são vistas como subalternas, devem ter a oportunidade e mais do que isso, o dever de serem devidamente suportados por políticas públicas, para poderem ascender em sua educação formal e consequentemente profissionalmente. Isso não pode ter qualquer compreensão distinta como sendo uma benesse!!

A passagem do “Filho do Porteiro” que ganhou destaque pela  relevância do autor, aliás massacrado nas redes, me lembra um fato que vivi, muitos anos atrás, quando li uma reportagem em um tradicional jornal de bairro, Ilha Notícias, que destacava um garoto, morador de comunidade pobre, com então 12 anos, que fazia o Ensino Fundamental em uma Escola Pública do Município, e que havia recebido uma Medalha da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas - OBMEP, e que tinha o grande sonho de ser transformar em Engenheiro.

Na ocasião, me encontrava como Presidente da CEDAE e a notícia me despertou, e fiz questão de me dirigir para aquela Escola, para entregar àquele jovem, um livro, que acabara de lançar para orientar “Jovens Engenheiros” e me comprometer com ele, de buscar e sugerir os caminhos para fazer seus estudos e a carreira dele, ajudando-o, como um mentor, a se tornar um Engenheiro!

A parada do carro preto, na portaria daquela escola, gerou uma grande estranheza, não só ao garoto tímido, mas à própria Diretora, com aquela chegada de um homem robusto, se oferecendo do nada a ajudar a um jovem.

O então garoto, após autorização obtida com o seu “Pai Porteiro”, de um prédio da zona norte, começou, disciplinadamente, a trilhar o caminho que sugerimos: Foi cursar o Ensino Médio, em uma escola pública, fazendo um Curso Técnico em Edificações no CEFET, e continuou no seu caminho de competições acadêmicas, recebendo suas Medalhas em matemática posteriormente acabou ingressando, em 2019, na Engenharia Civil na Politécnica da UFRJ, aliás, dando um tapa de pelica nas “elites”, pois, renunciou até ao direito do uso da cota racial e social, para com isso abrir, espontaneamente a seu risco, vagas para outros jovens cotistas.

O mais interessante, que sem combinar, o seu destino cruzou com o do meu filho, Francisco, que também fazendo o Ensino Médio na escola pública, no interior do Estado, ambos coincidentemente disputavam e ganhavam as mesmas medalhas. Engraçado que mesmo sem se conhecerem, até então, o filho do Engenheiro e o do Porteiro, estavam sempre muito juntos nas suas notas, e até entraram, via ENEM, no mesmo período na mesma Universidade.

Sempre olhando com carinho a evolução do garoto, no dia da inscrição para a Universidade, aliás, como se fosse um ato de Deus, que aconteceria no auditório do Bloco A, do Centro de Tecnologia, o ambiente estava lotado, o único assento que estava reservado a mim, que fazia a inscrição do meu filho por procuração, era concidentemente ao lado daquele jovem.

Durante sua vida, como estudante da CEFET, quando também busquei o ajudar arrumando um estágio, na CEDAE, ele fez algo muito ético que me alegrou, que muitos filhos, de “não porteiros”, não admitiriam fazer, pois a confluência de horário em um dia, o permitiria “burlar” o horário mínimo diário, e fez questão de manter a sua, postura e não aceitar, demonstrando a dignidade que recebeu de seus pais que vieram do Nordeste.

O “filho de porteiro” hoje é um dos maiores Coeficientes de Rendimento -(CR) da Escola Politécnica da UFRJ. Junto com outros dois jovens da Ilha, Francisco e Severino, curiosamente com nomes tradicionais de porteiros, em homenagem aos seus avós, montaram um projeto de voluntariado na Ilha do Governador, denominado “Engenhando a Cidade”. Ele e é um orgulho para o seu pai “Seu Valdir”, que coloca suas matérias de vitórias, emolduradas na portaria do prédio onde trabalha, aliás, como porteiro.

Esse jovem, não é o filho de Engenheiro, como o meu Francisco. Ele atende pelo nome muito mais pomposo: Yan Monteiro, filho do “Seu Valdir Monteiro”, o honrado porteiro.

A mensagem que Yan nos traz como exemplo, para nós que somos, por nossa condição social atual, da “Elite”, é que, devemos olhar os nossos jovens pobres e não a exercer receber preconceito velado contra eles, quer que seja de caráter social, racial, gênero já que tal comportamento a coisa que pode ser a mais sórdida e desigual para uma sociedade que busca ser justa. Aliás, um dos nossos maiores Engenheiros, André Rebouças, por ser negro, vivenciou tais questões de preconceito, séculos atrás e hoje, por coincidência atualmente, empresta o seu nome ao túnel que liga a Zona Norte à Zona Sul, a ligação entre os pobres e parte da elite.

Estive com o Yan, quando se formou como Técnico, quando conseguiu sua primeira namorada, quando recebeu os seus prêmios no Ensino Médio, quando seus pais adoeceram, quando ingressou nos grupos de elite de projetos da Politécnica da UFRJ e quando vestiu o seu primeiro terno e praticamente nos falamos todos os dias. Tenho orgulho por esse filho de porteiro que considero meu filho também, apesar de não torcer para o mesmo Fluminense, mas torcemos pela mesma Lusa da Ilha do Governador.

Hoje, me orgulho de também ser um pouco o “pai” desse filho de porteiro, que tanto orgulha o “Seu Valdir”, e que dá uma resposta, àqueles que acham, que fornece educação aos menos favorecidos, não é uma obrigação e que o acesso a formações superiores deveria estar prioritariamente reservado às elites.

Yan, é um exemplo em nosso país e não é um caso isolado. Esse filho de porteiro é um orgulho da Ilha do Governador de sua Comunidade da Vila Joaniza, é um orgulho de todos os pais, sejam eles trabalhadores humildes ou poderosos e uma boa resposta ao preconceito velado, que temos que superar o nosso dia a dia.

*Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Jornalista e um pouco Pai do Filho do Porteiro*