O jogo virtual do poder: verdades absolutas postas em cheque

Por Francisco Guarisa*

Recentemente, falei sobre como o marketing político na internet criou um universo fictício de verdades absolutas e deflagrou um processo dicotômico extremado. A era digital ou figital, citada também em outra ocasião, nos inunda velozmente de informações, como um tsunami devastador. Uma era que nos impulsiona para sermos mais impacientes, essencialmente práticos e objetivos, potencializada pela velocidade da informação e o crescimento assustador das redes sociais. Ainda assim, sabendo administrá-las, proporciona excelentes oportunidades.

Esse tsunami de informações parece brotar de todas as falhas tectônicas ao redor do mundo e pode provocar devastações, especialmente no ambiente político, quando o objetivo é tornar uma verdade em absoluta. Algo que aparenta ser verdadeiro se transforma mais importante do que a verdade em si, talvez porque as pessoas estejam mais preocupadas com seu impacto do que com seu valor intrínseco. No jogo do poder, por exemplo, quem dissemina uma fake news não está preocupada em checar a veracidade do fato, mas de propagá-lo, pois acredita que desta forma atingirá uma massa crítica relevante e a informação aparentará uma verdade incontestável. Uma atitude egoísta, que procura atender ao seu interesse pessoal ou a um pequeno grupo que coaduna com suas ideias, em detrimento da isenção, da honestidade e do bem-estar coletivo.

Essa atitude me remete ao filósofo Nietzsche, quando em seu livro “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral” fala sobre o valor da verdade e como ela é desejada de acordo com interesses pessoais em uma consequência e/ou aceitação positiva. Uma pessoa pode ser verdadeira (honesta) ou mentirosa (desonesta), em função de seu interesse e conveniência. Em outras palavras, ser honesto pode não ser uma decisão baseada em que a honestidade em si é boa, mas porque carrega intrinsicamente uma vantagem competitiva em relação à desonestidade.

Baseado neste jogo virtual de interesses, quem não aceita o contraditório e se julga detentor de um pseudomoralismo, há tempos tenta transformar nossa imensa aldeia global em um universo absolutista. O absolutismo de uma verdade só funciona para os fanáticos e radicais, que levaram a humanidade à diversas guerras e violências desmedidas. Esse tipo de pensamento tem proporcionado consequências desastrosas tanto no nível político, como social e econômico, especialmente nos últimos anos. O fato é que não cabe mais este modelo de verdades absolutas, onde o meu caminho é o único e certo. Podemos seguir vários caminhos, escolher inicialmente um e migrar para outro ao longo da jornada. Cada um deles possui sua própria verdade e ela pode se apresentar no início, no meio ou no final. Até mesmo ser modificada ao longo do percurso. Tudo hoje é muito dinâmico e aquilo que entendemos como verdade agora pode deixar de ser amanhã.

Apesar deste radicalismo de opiniões, verdades, mentiras, a era digital nos oferece uma oportunidade incrível de mudarmos este jogo. Ao mesmo tempo que proporciona toda esta possibilidade de geração de fake news, que tendem a se tornar verdades absolutas, essa decisão de propagá-las tem seu preço e em algum momento a conta chega. A história está cheia de verdades absolutas que caíram por terra através dos séculos. Toda e qualquer atitude ou decisão que tomamos nesta nova era é passível de monitoramento, possui rastreabilidade e traz consequências.

Estamos diante de um universo dinâmico e plural, seja on ou offline, onde buscar o diálogo e o consenso será mais fácil do que ficar preso a preconceitos que não se coadunam mais com essa nova realidade. Tudo o que parece certo hoje, pode se tornar errado amanhã. Daqui por diante estaremos em permanente transformação, onde os caminhos precisarão ser múltiplos, a política mais social, as relações cada vez mais humanas, o respeito incondicionalmente mútuo e os amores eternos (enquanto durem). O tabuleiro está aí para quem quiser jogar. Uns podem preferir o amarelo e outros, o azul. Mas, o que seria do amarelo se não existisse o azul? Talvez, em determinados momentos, a solução possa estar no verde.

*Consultor e Executivo de Marketing e Gestão