O negacionismo e a síndrome de Deus

Por Guilherme Fainberg*

Muitos falam sobre a síndrome de vira-lata dos brasileiros, no entanto, é a síndrome de Deus praticada por alguns, e sua onipotência característica, a que se apresenta mais danosa. Ao negar o potencial letal do covid-19, adotando práticas sociais higiênicas e de distanciamento equivocadas, o vírus, que não leva a sério o comportamento negacionista, mostra sua face mais aterrorizadora. Isso é coisa de brasileiro? A resposta é não

O negacionismo é coisa de gente medrosa e irresponsável. Irresponsável na busca pelo prazer, negando o bem-estar e a segurança do outro, e com medo, que em pequena dose protege, mas em grande quantidade faz com que a percepção se deturpe e uma pessoa use suas defesas mais primitivas para lidar com tal sentimento. Dois pensamentos se apresentam então: “se não vejo, é porque não há” ou “não é tão grave assim, é só uma gripezinha”.

O negacionismo nasce da necessidade de enfrentamento. Essa dissonância cognitiva entre o que pensa, sente, fala e faz é mediada muitas vezes por um senso crítico falho, e nessa falha mora a impulsividade. O impulso, portanto, é fruto de um pensamento pouco desenvolvido, em que as consequências são minimizadas.

O comportamento de manada, como diria o filósofo Nietzsche se encaixa nos contextos em que pessoas controlam o “livre arbítrio” de outras. Algumas denominações, por exemplo, dentro de grupos religiosos, dizem a seus fiéis o que devem ou não fazer (e até em quem votar). Isso não se trata de desejar pelo outro, mas de fazer mal uso da boa-fé de quem busca amparo naquela congregação.

As fake news existem há muito tempo, apenas não eram tão bem elaboradas. Uma mentira, por mais justificável que possa parecer, não se torna verdade, mas há gente que viva delas; as fofocas sempre geraram emprego. Portanto, não devemos nos iludir que a divulgação de inverdades para a manipulação da opinião pública é algo novo.

Existe uma saída. Nunca pessoas diferentes vão pensar do mesmo jeito sobre todos os assuntos. Mas acredito que se for promovida uma educação de valores ligados à vida (seja pulsão de vida, por atitude ou pela ética), poderemos vislumbrar o debate de ideias, e não os combates. Lutas pela vida, em vez de afirmação da morte através de um negacionismo cego, em que todos dão um tiro no pé para depois reclamarem que estão com o pé furado.

*Médico psicanalista