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Acordo de não persecução penal – o consenso em matéria penal se tornou uma realidade

Cassio Rodrigues Barreiros*

A possibilidade de celebração de acordo entre a defesa do investigado e o membro do Ministério Público sempre foi vista com muita reserva, sobretudo, por conta da interpretação primitiva daquilo que alguns denominam como princípio da indisponibilidade da ação penal, ou seja, em matéria penal o Ministério Público possui o dever de deflagrar a ação penal.

Evidente que a adequada hermenêutica da indisponibilidade, com base na coerência, integridade e princípios informadores do nosso ordenamento é a de que o consenso em crimes de menor gravidade deve ser buscado pelo Ministério Público, como exemplo bem-sucedido, temos a transação penal como importante instrumento de solução instituído pela Lei 9.099/1999.

De 1999 até hoje, diversos instrumentos de solução consensual passaram a regular os interesses indisponíveis por meio de Termo de Ajustamento de Conduta e a estimulação da autocomposição pelo novo Código de Processo Civil de 2015.

A utilização de métodos consensuais tem se revelado como uma alternativa à fórmula tradicional de solução de conflitos, já é uma realidade bem-sucedida que tem como objetivo afastar a participação do Estado-Juiz.

Não há mais dependência do Estado, as partes encontram o próprio rumo por meio de um agir colaborativo. A atuação foçada do Poder Judiciário cede espaço para a vontade das partes.

O que já era realidade em matéria cível, passou a ser possível na esfera penal por meio da Lei Anticrime que incluiu no art. 28-A do Código de Processo Penal a possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal para crimes de médica gravidade, ou seja, aqueles com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.

Celebrado o acordo, após o cumprimento das condições pactuadas se opera a extinção da punibilidade. Observe que não se confunde com colaboração premiada.

Estamos, portanto, diante de uma norma de conteúdo penal, uma vez que, cuida da extinção da punibilidade, que em regra incide antes do oferecimento da denúncia, mas que em casos específicos e de forma excepcional, poderá incidir após o oferecimento da denúncia, como por exemplo, nos casos em que a instrução demonstrar que a narrativa dos ilícitos da denúncia não restou minimamente corroborado pela instrução.

Trata-se uma alternativa político-criminal ao processo crime, em que mesmo diante da presença da justa causa para o oferecimento da denúncia, o Ministério Público, poderá deixar de iniciar a ação penal. Aqui chamamos atenção para a necessidade da observância da boa-fé pelo Ministério Público que deve demonstrar para a defesa a presença dos elementos coligidos em investigatório que resultaram na formação da opinio delicti positiva.

O acordo de não persecução penal tem por objetivo (i) assegurar a celeridade, estudos do CNJ demonstram que o processo criminal em primeiro grau no Brasil tem duração média de 3 anos e 10 meses, (ii) minoração dos efeitos danosos de uma decisão penal condenatória e (iii) atender a economicidade diante do elevado custo de movimentação do judiciário que deve se preocupar com casos de maior gravidade.

Questão importante que deve ser considerada é que o acordo de não persecução penal pode recair, ainda, sobre as cautelares já deferidas. Em se tratando de crimes de média gravidade há possibilidade de o Ministério Público deixar de requerer medidas cautelares e, até mesmo, desistir das medidas já requeridas e deferidas.

Nos casos de acordo de não persecução penal o investigado deverá reparar o dano, exceto na impossibilidade de fazê-lo, renunciar os bens adquiridos ilicitamente, prestar serviços a entidades públicas durante o período da pena mínima e o atendimento de outras obrigações pactuadas. O acordo que será assinado pelo investigado, seu defensor e pelo membro do Ministério Público deverá ser homologado pelo juiz das garantias por se tratar de uma relação pré-processual e ao final, cumpridas as condições, terá a extinção de sua punibilidade.

Evidente que o consenso em matéria penal é um caminho que assegura a efetividade da celeridade processual com um menor custo para o Estado em relação aos crimes de médio potencial ofensivo, garante ao investigado o conhecimento prévio das condições a serem cumpridas, evita a estigmatização de uma condenação penal e os efeitos daí advindos e, ainda, acarreta na diminuição de processos judiciais.

 

*Advogado, doutorando em direito pela UNESA, mestre em direito pela UVA, especialista em direito público pela FEMPERJ.

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