Somos uma potência olímpica, mas não esportiva

Por Djan Madruga*

Escrevo uma avaliação crítica construtiva no calor da bela campanha do Brasil em Tóquio, a melhor em todos os tempos, com 21 medalhas, sendo 7 de ouro, que nos colocou em 12° lugar no ranking olímpico, também a nossa melhor colocação da história olímpica. Esse resultado em Tóquio nos colocou no rol das potências olímpicas, à frente países esportivamente poderosos como a Nova Zelândia, Cuba, Coreia, Hungria e Polônia, só citando uns poucos dos 86 que conquistaram medalhas olímpicas.

Isso inclusive não foi normal, pois países que sediam Olimpíadas tradicionalmente pioram na seguinte, à exceção dos ingleses em 2012 e alemães em 1972, grande crédito então para nós brasileiros, mas isso foi fruto de um grande investimento, bom gerenciamento, ou apenas mérito dos nossos atletas?

Bem, potência olímpica é um título muito justo, porém ele não nos torna uma potência esportiva, e explico os motivos mais na frente. Apesar da enorme felicidade pelos nossos resultados precisamos avaliar de forma objetiva a situação atual para não cairmos em um ufanismo que pode ser prejudicial ao nosso tão necessário desenvolvimento esportivo.

Todos estamos muito orgulhosos pela alta performance dos nossos atletas olímpicos, que se deu a meu ver com base em quatro pilares:

1) a lei federal Agnelo Piva, criada em 16 de julho de 2001, que estabelece que 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais do país sejam repassadas aos Comitês Olímpico e Paraolímpico Brasileiro, que vem garantindo recursos para manutenção do nosso esporte alto rendimento, ressalte-se o muito bom gerenciamento do COB junto às confederações. Nesse último ciclo Olímpico foram R$ 950 milhões, repassados em boa parte para as confederações brasileiras de cada esporte, elas são quem tomam conta na ponta final dos atletas e equipes que competem nas Olimpíadas.

2) de outra lei federal, a bolsa atleta, de 9 de julho de 2004, graças a ela foram destinados R$ 530,4 milhões nesse ciclo Olímpico, ela institui a obrigatoriedade do apoio financeiro mensal a atletas que se habilitam ao edital federal. O programa chegou a ter 6.651 atletas/ano e são contemplados bolsas de nível nacional, internacional, olímpica e bolsa pódio. Olhem que houve aí um hiato nos anos de 2019 a 2020 com um brutal corte do valor orçamentário onde só 274 bolsas foram concedidas. É importante dar crédito a bolsa pódio que garante um valor  de até RS 15 mil mensais para quem tem chance de disputar uma medalha olímpica, além da constituição de uma equipe multidisciplinar para ajudar esse atleta. Basta dizer que 80% dos nossos atletas olímpicos em Tóquio eram da bolsa atleta.

3) do PAAR, programa do Ministério da Defesa, criado em 2007 pelo então existente Ministério do Esporte junto com a Comissão de Desportos Militares do Brasil (CDMB), para o engajamento de atletas como sargentos durante 8 anos com todo o apoio que as instalações e instituições militares podem oferecer. Em Tóquio significativos 30% da delegação Olímpica eram militares das três forças e 8 atletas militares ganharam medalhas (38%,) incluindo 3 ouros. Um sucesso repetido da Olimpíada do Rio onde já tivemos 13 das 19 medalhas vindas de atletas militares.

4) o sistema federativo e de clubes do Brasil que manteve esses atletas olímpicos em atividade e lhes deu oportunidade de competir regularmente e treinar no seu dia a dia. Houve um importante fato novo que foi o repasse do Comitê Brasileiro de clubes, o CBC, para os clubes formadores amontando o expressivo valor de R$ 632,5 milhões no ciclo olímpico indo até 2024, com isso 2/3, ou seja, 14 das nossas 21 medalhas vieram de atletas de clubes formadores. Observo também o heroísmo e a importância das federações esportivas, que mesmo com parcos recursos mantiveram seus calendários ativos para que os atletas pudessem competir se testar e melhorar.

Esse nosso 12° lugar no ranking olímpico embora equivalente à posição do Brasil no ranking dos maiores (PIB) do planeta não é proporcional ao nosso tamanho e geografia, 5° maior, e tendo a 6.a maior população do planeta. Devemos focar no número de habitantes, pois sabemos que para cada 10 mil praticantes de esporte de alto rendimento sai um potencial atleta olímpico, então no Brasil teríamos, em tese, 7.000 potenciais atletas olímpicos considerando uma população de crianças e adolescentes de cerca de 70 milhões, se todos praticassem esporte regulamente, e esta é uma clara utopia na nossa realidade.

Para sermos uma potência esportiva deveríamos ter esporte verdadeiramente praticado nas escolas, coisa que continua sendo uma irrealidade já que 40% das nossas escolas não têm sequer quadra esportiva, portanto não praticam nem a educação física adequadamente, quanto mais esporte!

Mais além, carecemos de políticas públicas voltadas para o esporte, visto que infelizmente grande parte dos nossos governantes ignora a sua verdadeira importância, pois ele ainda é considerado um produto social e de marketing eleitoral, sendo apenas praticado em poucas e pobres praças esportivas e nas famosas e erradamente denominadas Vilas Olímpicas, atletas olímpicos sabem que Vila Olímpica é um lugar onde se hospedam atletas e não para a prática esportiva regular. Também erradamente aqui no Brasil nessas “vilas” é onde se pratica o esporte social de forma minúscula ainda, já que deveríamos ter muitas outras áreas públicas com acesso gratuito ou com custo mínimo para as pessoas praticarem esportes, por exemplo, em praças, parques, praias, ginásios, piscinas, ciclovias e pistas de atletismo facilmente acessíveis.

Infelizmente não chegamos ainda nem ao ponto de entendermos o esporte como fator preponderante na garantia da saúde da população. Sabidamente nos países mais desenvolvidos, quem pratica esporte adoece menos, e nesse momento de pandemia avassaladora quando falamos tanto da importância de espaços disponível nos hospitais por causa da COVID. Essa pandemia inclusive não pode ser desconsiderada na explicação para o nosso grande resultado do já que muitos dos nossos adversários podem ter sido mais afetados na sua preparação, talvez o tempo esclareça isso.

Imaginem quanto o SUS economizaria se nossa população fosse ativamente praticante de esporte e da atividade física, quantas vidas teriam sido poupadas? Os planos de saúde privada já descobriram a relação desse custo-benefício e estão oferecendo bônus para quem pratica esporte e atividade física regularmente.

Segundo dados publicados pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), a ONU diz que para cada $1 dólar investido em saúde retorna-se 3 dólares na economia de gastos médicos, e pesquisa do IBGE de 2019 mostrou que no Brasil apenas 30,1% da população pratica esportes e atividade física regularmente.

Assim seguimos, quase esperando as verdadeiras mudanças por boa parte dos nossos governos, de legisladores, diretores de grandes empresas, de veículos de comunicação enfim pessoas com grande influência que com certeza poderiam prover as mudanças necessárias para viabilizar o Esporte Para Todos. Grande maioria com certeza pratica sua caminhada, anda de bicicleta, joga tênis, faz academia ou tem os seus filhos matriculados em escolas esportivas, mas nem por isso entendem ou agem para que a população também tenha esse direito.

É lamentável que nas estruturas governamentais o esporte ainda seja considerado como irrelevante e muitas vezes uma secretaria de esportes, quando existe, é sempre a que tem o menor orçamento, serve como barganha política ou é a apensada ao turismo, a cultura ou a uma pasta social, visto que ela apenas administra as tais Vilas Olímpicas, praças ou ginásios esportivos.

Para sermos uma potência esportiva caberia uma mudança brutal de mentalidade, principalmente na cultura da prática do Esporte no Brasil, e os meios de comunicação poderiam ajudar muito mais, já que a cada 4 anos ficamos extasiados e mesmerizados com a performance olímpica dos nossos atletas, com seus dramas e histórias, choramos com suas vitórias e damos enorme audiência. De repente se descobre que o brasileiro ama o esporte olímpico como ama o futebol, esporte-espetáculo que exageradamente domina o nosso noticiário esportivo diário, nada contra o futebol, muito pelo contrário eu como apaixonado pelo meu clube, não perco um jogo deles, mas como diz um amigo, algumas vezes medalhista olímpico, vivemos aqui a monocultura do futebol. Caberia aos veículos de comunicação dar mais espaço para os outros esportes, que também vão ganhar dinheiro como ganham com o futebol, a audiência olímpica mostrou isso, nas madrugadas que varamos assistindo aos nossos atletas, pena que isso só vai acontecer de novo em 3 anos nos Jogos Olímpicos de Paris.

Vejo isso desde a minha primeira olimpíada em 1976, participei de três Jogos como atleta, um como dirigente e outro como comentarista, testemunhando sempre a mesma enorme visibilidade no ano olímpico para depois, termos um período de quase 4 anos esquecidos.

Será que alguém acha mesmo que Ana Marcela, Kahena, Martine, Rebeca, Ítalo, Isaquias e Herbert viraram melhores do mundo de repente, apenas no ano olímpico?

Essa cultura não esportiva precisa ser mudada também pelos nossos legisladores, pois como escrevi aqui no início, duas leis federais, um programa militar e outro dos clubes fizeram toda a diferença para nos tornarmos uma potência olímpica, imaginem mais leis de incentivo, de patrocínio público, esporte verdadeiro nas escolas, construção de áreas públicas esportivas, orçamentos mínimos nos níveis dos estados e municípios, que diferença fariam para sermos também uma potência esportiva?

Temos que aproveitar esse momento quando centenas de milhares de crianças pelo Brasil afora estão pedindo aos seus pais para fazerem os mesmos esportes que os nossos medalhistas olímpicos, e quantos milhões de adolescentes e adultos começaram a procurar áreas próximas para se exercitar e não encontraram?

Legisladores,  gestores, empresários, comunicadores, essa é a hora de AGIR, para lhes dar essa oportunidade, O TEMPO URGE, ou só em 4 anos teremos nova oportunidade!

Para concluir chamo atenção para a chegada em poucas semanas dos Jogos Paralímpicos onde o Brasil se revelará mais uma vez, agora como uma “Superpotência Paralímpica”, mas nem assim seremos uma potência do paradesporto, pois isso no Brasil continuará inacessível a grande maioria da população com necessidades especiais, o CPB que o diga.

Um abraço olímpico para todos.

*Medalhista Olímpico em Moscou, 1980. Recordista Olímpico em Montreal,1976. Mestre em educação física pela Universidade de Indiana, EUA, 1984. Secretário Nacional de Esportes de Alto Rendimento (SNEAR), 2007-2009, lá criando o programa de atletas militares de alto rendimento (PAAR) e ampliando o bolsa atleta de 846 para 3.313 bolsistas. Fundador do Comitê Brasileiro do Esporte Master, CBEM em 2010. Fundador e duas vezes presidente da Associação Brasileira de Academias de Ginástica ACAD, 1999 a 2005. Diretor de marketing da Turisrio, 1991 a 1992, atuando na “Rio Eco92”. Diretor de Desenvolvimento de Esportes do Estado do Rio de Janeiro em 1988. Atual gestor na Confederação Brasileira de Esportes Aquáticos CBDA, desde 2012, responsável pelo programa de bolsas universitárias.Fundador e diretor da Academia Djan Madruga de Natação e Ginástica, no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, 1998.