A Semana de 21: a da Arte Eterna

Vicente Loureiro*

Ao contrário daquela ocorrida há 99 anos em São Paulo, repleta de novidades e atitudes promovidas por um grupo de artistas e intelectuais a anunciar a chegada do país a era moderna, a semana última passada foi marcada por sentimentos de apreensão e surpresa, também entre pessoas e entidades ligadas às artes e a cultura, diante da inclusão de alguns edifícios públicos icônicos no leilão de imóveis promovido pelo governo federal. Dentre eles, o palácio Capanema, edifício ventre da arquitetura modernista brasileira. Para alguns, um descaso técnico burocrático inominável, para muitos, ato de caso pensado visando desonerar o Estado de suas obrigações indelegáveis. Como a de proteger e zelar exemplarmente pelo patrimônio histórico, artístico e cultural dos bens de sua propriedade, reconhecidos como tal e, no caso, até reverenciado internacionalmente.

Nas redes sociais e na imprensa, representantes de instituições da sociedade civil vinculadas a arquitetura, defesa do patrimônio e da memória manifestaram sua indignação e repúdio de forma clara e veemente. Personalidades destas e de outras áreas também puseram sua voz nesse clamor por mais respeito e um mínimo bom senso das autoridades responsáveis por tamanha afronta a símbolos forjadores e identitários da nossa cultura. Desejar ou mesmo estimular a participação do mundo privado na cruzada pela valorização e preservação do patrimônio cultural brasileiro é saudável e necessário. Porém, entregar a ele bens nascidos e criados para cumprir funções públicas, não parecem ato de ingenuidade ou vacilo de um “barnabé” qualquer. É equívoco crasso, se não for má fé.

Nesta semana, não assistimos novas linguagens artísticas e literárias sendo apresentadas, pondo em xeque rimas e traços parnasianos ou acadêmicos, promoveram-se esforços políticos, predominantemente digitais, de resistência cultural. Os brados foram de luta e questionamento contra a inclusão do Palácio Capanema no tal leilão. A narrativa foi a de buscar unidade em torno da defesa de bem de valor inestimável e retirá-lo da lista de negócios imobiliários virou palavra de ordem. Foco central da mobilização social deflagrada, mas não o único.

Percebendo a magnitude e pertinência desse movimento espontâneo em defesa do patrimônio público, no qual não se consegue botar preço, lideranças políticas do Estado do Rio mobilizaram-se em defesa da manutenção do edifício como bem de uso público. O presidente da Assembleia Legislativa, deputado André Ceciliano, promoveu, com a presença do governador do estado Cláudio Castro, reunião com as entidades envolvidas na defesa da manutenção nas mãos do poder público do Palácio Gustavo Capanema. Tendo, como resultado concreto, compromisso assumido com elas de solicitarem ao governo federal a retirada desse bem da lista de imóveis do tal leilão. Anunciando, inclusive, caso não seja atendida essa reivindicação, que a Assembleia Legislativa e o governo do estado, em regime de parceria, adquiririam o emblemático edifício. Informações surgidas nas mídias, enquanto escrevo esse artigo, indicam a retirada do Palácio Capanema dos imóveis postos à venda. A conferir.

Seja qual for o desdobramento dado à questão, esta semana ficará marcada como sendo não a de Arte Moderna. Talvez a batizem como a de Arte Eterna, aquela em que ela foi defendida pelo significado e qualidade de um de seus exemplares mais marcantes e monumentais e que, portanto, merece atravessar os tempos, por mais sombrios que sejam.

Principalmente agora, quando se semeia tamanha indiferença com um patrimônio tão singular, pondo-o à venda por quaisquer dez tostões de mel coado ou equivalente. Trazendo alívio momentâneo ao caixa do governo, mas impondo à sociedade prejuízo irremediável.

 

*Arquiteto e urbanista