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Um legado construído com o sangue de heróis

Cassio Nogueira de Castro*

A missão mais delicada para um articulista é escrever na primeira pessoa. Uma armadilha, que todos tentam evitar, inclusive eu. Porém, este relato não permite um distanciamento por ter sido uma experiência rara e vivida com uma intensidade que me marcará pelo resto da vida: ter participado da missão de paz da ONU no Haiti. Fui como fuzileiro naval, em 2009, e regressei em 2010. Fui Boina Azul.

Faço este relato, que procuro guardar sempre a sete chaves, por uma reflexão ocorrida no dia 25 de agosto, – Dia do Soldado, na mesma semana em que o Brasil envia uma missão humanitária ao Haiti, atingido por um novo terremoto.

Essa experiência me levou a compreender o conceito de servir, de lutar pela paz e, principalmente, todos os valores da minha formação militar que norteiam até hoje minha vida e as de milhares de jovens que estiveram na missão de paz das Forças Armadas brasileiras por 13 anos no Haiti.

O novo terremoto devastou ainda mais um país em colapso há décadas, onde os conceitos de miséria e de carência material são elevados ao extremo. Vivenciar essa realidade cruel nos faz valorizar nosso cotidiano e o que nós, brasileiros, temos e do que muitas vezes não nos damos conta.

O Brasil criou um vínculo indissolúvel com os haitianos. Ajudar aquele país é muito mais do que um gesto humanitário, é um dever nosso. O Haiti foi um cenário de guerra que possibilitou aos nossos militares compreender a essência de nossa missão e do significado real de doar a vida pelo país e pela bandeira que servimos.

No primeiro terremoto, 18 militares brasileiros tiveram a sua vida ceifada por essa catástrofe. No Dia do Soldado, devemos prestar homenagem ao major Márcio Guimarães Martins, coronel João Eliseu Souza Zanin, tenente-coronel Marcus Vinicius Macedo Cysneiros, major Francisco Adolfo Vianna Martins Filho, 1º tenente Bruno Ribeiro Mário, 2º sargento Davi Ramos de Lima, 2º sargento Leonardo de Castro Carvalho, 3º sargento Rodrigo de Souza Lima, cabo Douglas Pedrotti Neckel, cabo- Washington Luis de Souza Seraphin, soldado Tiago Anaya Detimermani, soldado Antonio José Anacleto, soldado Felipe Gonçalves Júlio, soldado Rodrigo Augusto da Silva, cabo Ari Dirceu Fernandes Júnior, soldado Kléber da Silva Santos, subtenente Raniel Batista de Camargos, Coronel Emílio Carlos Torres dos Santos. No panteón no Haiti em memória uma frase foi perpetuada: “Nossos heróis lá estiveram; lá deixaram suas vidas e lá vivem seus ideais”. Essa experiência mudou minha vida. Retornei com a missão de ser um homem, um profissional, um chefe de família e, sobretudo, um pai melhor. São 18 heróis de farda, e nesta lista devem ser incluídos a médica Zilda Arns e o diplomata Luiz Carlos da Costa. Ajudar o Haiti neste momento pós-terremoto é também homenagear a memória desses 18 heróis falecidos em 12 de janeiro de 2010.

A gente deixa o Haiti, mas o Haiti nunca deixará os nossos corações e orações.

 

*Advogado e veterano das Nações Unidas, 11° Contingente Minustah

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