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Urbanismo e democracia

Vicente Loureiro*

A Ágora, cujo significado é “lugar de reunir”, foi criada na Grécia antiga para dar conta da então nova forma de governo, a democracia, transferiu para parte baixa e central das cidades a sede do poder em substituição ao castelo do rei geralmente amuralhado e instalado no alto das colinas e de uso privado. Assim, configurou-se em um lugar de reuniões, tornando-se espaço essencial a constituição das cidades-estado gregas. Nasceu com caráter público, atraindo ao seu redor edifícios e ambientes destinados a abrigar as assembleias dos cidadãos (Buletério); os escritórios administrativos (Pritaneus); os de tomadas de decisões judiciais (Eclésia). Virou também endereço preferencial dos templos, do mercado e feiras livres. A vida política, religiosa, econômica e social passou a nela acontecer. Inclusive na solução de conflitos e desentendimentos eventuais. Em síntese, o poder emanava do povo, mas na Ágora era exercido.

O Fórum romano, classificado por alguns autores como ponto de encontro mais conhecido da história, pode também ser considerado outra invenção urbanística. Ainda que em seu DNA gravite genes da Ágora grega. Era o coração da sede do império. Centro da vida pública e de interesse de todos. Instalado em terreno retangular circundado por vários edifícios de uso relevante, como o Comício (Assembleia do Povo); a Régia (sede do Senado); a Cúria Júlia (Tribunal de Justiça); os gabinetes de estado; os templos e até a residência do Imperador. Tinha, portanto, fins políticos, judiciais, religiosos e até comerciais. Nele ocorriam cerimônias triunfais, discursos e eleições. Localizava-se ainda nele o Umbilicus Urbis, o marco zero da Roma antiga, referência para cálculo das distâncias até ela. Em suma, lugar onde as leis eram elaboradas, implementadas e se faziam cumprir. Nem sempre ao agrado dos poderosos ou do povo da ocasião.

A descoberta do novo mundo obrigou os colonizadores espanhóis a editar, em 1573, as Ordenanzas de Descubrimiento y Poblácion, onde regras de urbanismo foram traçadas para toda a América Espanhola. Entre elas, uma que também pode ser considerada inovação: a Plaza Mayor ou Plaza de Armas. Inspirada na Ágora grega e no Fórum romano e usada como base para definição do traçado das novas cidades a serem fundadas.

Era o espaço mais importante e central. Composto pela sede do governo municipal (El Cabildo), pela Igreja Matriz e por algumas moradias de cidadãos mais abastados. O poder dos homens e os de Deus eram abrigados nos edifícios mais imponentes. Jamais sob o mesmo teto ou de parede-meia. Nem sempre as leis dos homens obedeceram às leis de Deus. Mesmo assim, atravessaram, no mesmo lugar, séculos de convivência e divergências.

O advento do estado laico, um aperfeiçoamento do modo de se exercer o poder, permitiu uma outra inovação urbanística mais recente e realizada no Brasil, refiro-me à Praça dos Três Poderes. Plantada em Brasília, fruto da concepção de Lúcio Costa, também de inegável influência da matriz greco-romana. Enriquecida pelo traço genial de Oscar Niemeyer, corporificado nos monumentais edifícios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Talvez seja a contribuição mais emblemática da interpretação dos ensinamentos da ágora para as cidades planejadas do mundo moderno. Destaca-se a volumetria vertical do edifício sede do Congresso Nacional, o mais proeminente dos três, anunciando o futuro da democracia representativa. Com clara relevância do Poder Legislativo sobre os demais. Nela, depositava-se simbolicamente esperanças de um futuro harmônico e de submissão ao estado democrático de direito para o país. Um regime de exceção interrompeu esse desígnio. No entanto, a Constituição Cidadã de 1988 lhe devolveu a missão de ser berço e morada da democracia brasileira por guardar respeito aos poderes que lhe deram origem.

 

Fonte: Wikipédia
*Arquiteto e urbanista

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