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Cristo Redentor: o “Genius Loci” do Rio

Por Vicente Loureiro*

Tenho a impressão que o agora nonagenário Cristo Redentor guarda o “espírito do lugar” da cidade maravilhosa. No sentido que empresta ao termo o arquiteto italiano Aldo Rossi, em seu livro Arquitetura da Cidade, ao se referir as antigas construções romanas, obedientes ao propósito de só poder construir um edifício se o local escolhido estivesse sobre a proteção do “genius loci”. O icônico monumento carioca, com seus braços abertos sobre agora uma metrópole, parece ter incorporado tal missão. Difícil saber o que seria do Rio sem a presença dele. Ele, por sua vez, em qualquer outro pedaço do mundo, jamais conseguiria emplacar o carisma exibido aqui, no alto do morro do Corcovado. Foram feitos um para o outro. Constituíram um lugar de espírito único.

Um casamento perfeito entre o significante, os aspectos concretos e tangíveis do monumento, e o significado por ele adquirido, graças ao que passou a representar, transformado em uma imagem síntese da cidade e do jeito de ser de sua gente. Assim, o Cristo Redentor não só ganhou o Rio, como o projetou no mundo. Independente das crenças ou falta delas daqueles que o habitam ou visitam. Ficou maior do que seu mote religioso original. Porém, seus braços estendidos em atitude permanente de convite ao acolhimento, não nos permitem esquecer o que quer dizer redentor: aquele que liberta, redime e protege. E isso que ele de modo ecumênico e generoso nos oferta. Talvez seja essa a razão de bem-querer tão disseminado e duradouro por ele conquistado. “Rio et Orbi”.

Antes do Cristo chegar ao alto do Corcovado, um mirante com coreto, chamado Chapéu de Sol, já existia há quase 50 anos no local. O acesso era feito pela mesma ferrovia que nos dias de hoje costuma levar 800 mil passageiros por ano ao Santuário. O lugar já encantava. O esforço de nele plantar um monumento grandioso, comparável a Estátua da Liberdade e a Torre Eiffel, entre outros, trazia consigo não só um ato de fé dos católicos, mas também o desejo de comemorar com um grande feito o Centenário da Independência do Brasil. Resultou numa construção de 38 metros de altura e a 710 metros acima do nível do mar, podendo ser vista a 40 km de distância. Fico a imaginar o impacto de tal empreitada no imaginário da população de então. Deve vir daí parte da admiração e reverência que o acompanha.

Considerado Patrimônio da Humanidade e uma das Sete Maravilhas do mundo moderno, o Cristo Redentor é um dos pontos turísticos mais procurados no Brasil. Recebia, antes do Covid, cerca de 2 milhões de visitantes por ano. Seguirá sendo, pois encanto e simbolismo não lhe faltam. A vista da cidade que ele proporciona é arrebatadora. Discute-se até a possibilidade do horário de visitas ser estendido para parte da noite. Restrições ambientais parecem impedir. Indiferente, ele continua a perseguir sua sina, gravada pelas palavras do Cardeal Leme quando de sua inauguração: “ele trará luz, paz e prosperidade para os moradores do Rio”. Tarefa pelo visto confiável só mesmo a ele, até pelos ateus.

Certa vez, num evento internacional realizado na África, o Rio foi escolhido como sua próxima sede. A entidade promotora contratou um artista local para pintar um quadro a ser apresentado aos presentes no encerramento anunciando a decisão tomada. Na noite anterior, tive oportunidade de ver a obra, ainda incompleta, retratando o Rio, segundo o olhar do artista, com a presença do Cristo Redentor. No dia seguinte, a surpresa: uma nuvem branca o cobria. A pintura havia sofrido censura. Alegaram os organizadores que os documentos oficiais da instituição não poderiam fazer menção a símbolos religiosos, dentre outros impedimentos politicamente corretos. Ali, indignado, entendi: o Rio e o Cristo são inseparáveis. O quadro representava uma cidade que poderia até ser o Rio, mas somente se tivesse a presença do Cristo carimbava tal certeza. Joãozinho Trinta tinha razão, não se censura o Cristo. No caso do Rio, impossível escondê-lo.

*Arquiteto e urbanista

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