Por:

Em ações paralelas, Câmara e Senado desafiam decisões da Justiça contra parlamentares

Por Folhapress

Em ações paralelas nesta quarta-feira (5), Câmara e Senado barraram decisões da Justiça relativas a parlamentares das Casas.  Na Câmara dos Deputados, no primeiro caso concreto da atual legislatura de análise de suspeita de corrupção contra um de seus membros, o plenário anulou nesta quarta-feira (5) a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que afastou do mandato o deputado federal Wilson Santiago (PTB-PB).

O atual Congresso foi eleito, majoritariamente, por uma onda que tinha entre suas principais bandeiras a do combate implacável à corrupção.

O placar mostrou apenas 170 votos favoráveis à decisão do STF -eram necessários ao menos 257- e 233 contrários, em consonância com o relatório do deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Houve 7 abstenções e 102 ausências, que contaram, na prática, a favor de Santiago.

Já no Senado, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), levantou dúvida sobre o cumprimento da decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de cassar o mandato da senadora Juíza Selma (PODE-MT).

Em dezembro, ela, que é conhecida como "Moro de saia", foi condenada pelo TSE por abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos durante a campanha de 2018. 

Em janeiro, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, concedeu liminar (decisão provisória) para que Carlos Fávaro (PSD), o candidato a senador mais bem votado por Mato Grosso entre os não eleitos, ocupe interinamente o cargo. Alcolumbre disse que vai submeter à Mesa Diretora a decisão do TSE.

Na Câmara, a discussão sobre manter ou não o afastamento do petebista envolvia discussões políticas e jurídicas. 

Decisões do Supremo Tribunal Federal de afastar parlamentares do mandato são controversas -especialmente as tomadas por um único ministro, sem que houvesse condenação, como no caso de Santiago. Por outro lado, defensores do afastamento apontavam risco às investigações.

A decisão da Câmara foi precedida de uma longa reunião entre o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parlamentares do centrão e a área técnica.

A posição de que eram necessários pelo menos 257 dos 513 votos para a manutenção do afastamento foi anunciada por Maia no plenário, após a reunião. Ele submeteu a voto o seu entendimento, que foi mantido por 407 votos contra 5.

O presidente da Câmara chegou a ameaçar adiar a votação em razão dos ausentes, mas acabou voltando atrás.

Na tentativa de amenizar o desgaste da decisão, deputados decidiram apoiar o envio de uma representação contra o petebista ao Conselho de Ética da Câmara.

Diferentemente da decisão do STF, porém, um processo no Conselho de Ética pode durar meses e, em caso de condenação, não resulta necessariamente na cassação. A palavra final cabe, sempre, ao plenário da Casa.

Santiago foi afastado do mandato no final de dezembro de 2019 em decisão do ministro Celso de Mello, decano do STF, sob o argumento de que a sua manutenção no cargo representava ameaça às investigações.

O parlamentar é acusado pelo Ministério Público de desviar verbas de obras contra a seca no sertão da Paraíba. Contra ele há, entre outros pontos, vídeos gravados pela Polícia Federal indicando a suspeita de que propina foi entregue em seu gabinete e em seu apartamento.

Durante busca em sua residência em João Pessoa, a Polícia Federal encontrou um aparelho celular escondido em uma caixa de remédio, dentro de um frigobar.

Apesar do temor do desgaste que a decisão pode provocar na opinião pública, houve um movimento  liderado pelos partidos do centrão (PP, PTB, SD, entre outros) para livrar Santiago sob o argumento de que não há amparo legal no afastamento de um parlamentar por uma decisão monocrática de um juiz, feita de forma cautelar, sem que haja condenação.

A medida foi apoiada inclusive por integrantes da oposição, como do PT e do PC do B, unindo alguns partidos antagônicos na mesma decisão.  

Os partidos que mais se colocaram favoráveis à retomada do mandato por Santiago, proporcionalmente, foram MDB (100%), PC do B (100%), PTB (100%), PT (94%), PL (93%), Republicanos (88%), PP (85%), DEM (85%), Patriota (80%), SD (79%) e PSD (76%).

Diante da polêmica de decisões do STF de afastar parlamentares do mandato, hoje há um entendimento na corte de que a palavra final cabe ao plenário da Câmara ou do Senado.

A questão se tornou uma discussão prática em maio de 2016, quando o ministro Teori Zavascki afastou do mandato o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ).

A decisão foi referendada no mesmo dia, de forma unânime, pelo plenário do STF.

O próprio Teori registrou que sua sentença era "excepcionalíssima". Críticos apontaram para o risco de violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes. 

A Câmara não se insurgiu, à época, e Cunha foi efetivamente afastado e teve, posteriormente, o mandato cassado pelos colegas. Ele acabou preso em decorrência das investigações da Lava Jato, situação em que se encontra até hoje.

Já no final de 2016 foi a vez de o ministro Marco Aurélio Mello determinar o afastamento do senador Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado.

Marco Aurélio argumentou ter tomado a decisão com base no entendimento da maioria dos ministros da corte de que réus em ações penais não podem ocupar cargo na linha sucessória da Presidência –Renan havia se tornado réu uma semana antes.

O Senado não cumpriu a determinação de Marco Aurélio e recorreu ao plenário do STF, que manteve Renan no cargo por 6 votos a 3.

No ano seguinte foi a vez de o senador Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de receber vantagem indevida da JBS e tentar atrapalhar as investigações, ser afastado do mandato por decisão da Primeira Turma do STF.

Na ocasião, em meio à ameaça de uma crise institucional, a corte deliberou, porém, que caberia ao Congresso a palavra final sobre a suspensão do mandato de parlamentares pelo Judiciário.

Com isso, o plenário do Senado derrubou por 44 votos a 26 a decisão do Supremo e restabeleceu o mandato do tucano.

No Senado, Alcolumbre disse que vai submeter à Mesa Diretora a decisão do TSE de cassar o mandato da senadora Juíza Selma (PODE-MT).

"Eu também tenho dúvida, porque no último caso concreto [cassação do senador João Capiberibe em 2005], a Mesa manteve a decisão. Se acontecer de a votação da Mesa não seguir a decisão do tribunal, será o primeiro fato concreto em relação a isso", afirmou Alcolumbre ao ser questionado por jornalistas.

A Constituição diz que, quando a Justiça Eleitoral decretar a perda do mandato de deputado ou senador, a cassação "será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa".

Segundo Alcolumbre, a Mesa pode, sim, entender que a cassação não é uma decisão correta. No entanto, ele afirma não saber como proceder caso isso aconteça.

Aos senadores o presidente da Casa apresentou um rito para os trabalhos da Mesa, composta por sete titulares –o próprio Alcolumbre e os senadores Antonio Anastasia (PSDB-MG), Lasier Martins (PODE-RS), Sérgio Petecão (PSD-AC), Eduardo Gomes (MDB-TO), Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e Luis Carlos Heinze (PP-RS).

Na próxima semana, na terça (11) ou quarta-feira (12), Alcolumbre reunirá os titulares e fará um sorteio para designar um relator para o processo. 
Pelo rito, o relator não deve ser do mesmo partido de Selma, o que excluiria Lasier Martins.

Depois disso, de acordo com parecer da Advocacia do Senado, a senadora será notificada e abre-se um prazo de dez dias úteis para que apresente defesa. 

Se não fizer isso, Alcolumbre nomeará um defensor dativo, que terá outros dez dias úteis.

Recebida a defesa, abre-se prazo de cinco dias úteis para que o relator entregue seu relatório. Feito isso, concedem-se mais cinco dias úteis para que a votação seja realizada.

Ou seja, todo o processo pode levar 30 dias úteis. Nesse período, a senadora e os funcionários de gabinete seguem recebendo, como se Juíza Selma não tivesse sido cassada.

A decisão de levar a questão para a Mesa foi questionada no plenário.

Com 678,5 mil votos, a senadora se elegeu pelo PSL adotando um forte discurso de combate à corrupção, o que lhe rendeu o apelido de "Moro de saia" -em referência a Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato e ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Posteriormente, Selma migrou para o Podemos.

A defesa da senadora argumenta que a decisão condenatória em Mato Grosso se deveu à atuação de Selma como magistrada, por ter enfrentado os poderosos locais.

O TRE-MT (Tribunal Regional Eleitoral) concluiu que a então candidata e seu primeiro-suplente omitiram da Justiça quantias expressivas usadas para pagar despesas de campanha no período pré-eleitoral.

Entre essas despesas estava a contratação de empresa de pesquisa e de marketing para produção de vídeo, jingles e fotos antes do início oficial da campanha, o que a legislação proíbe.

O relator do recurso de Selma no TSE, Og Fernandes, destacou que a senadora omitiu da prestação de contas um contrato mútuo no valor de R$ 1,5 milhão assinado entre ela e Gilberto Possamai, valor que coincide com o total de dois cheques emitidos pelo primeiro-suplente para quitar despesas no período pré-eleitoral, quando ela ainda não era oficialmente candidata.

A acusação é que o contrato foi simulado para que o dinheiro fosse movimentado à margem da contabilidade oficial.

Havia no processo contratos, notas e depoimentos, inclusive de representantes das empresas contratadas no período de pré-campanha.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.