Câmara freia projeto sobre contraterrorismo com unidade subordinada ao presidente

Por: Danielle Brant

A Câmara dos Deputados rejeitou nesta quarta-feira (8) requerimento de urgência para apreciação do projeto sobre ações contraterroristas que cria um grupo de operações subordinado ao presidente da República e prevê excludente de ilicitude para agentes de segurança.

O projeto, contestado por organizações de direitos humanos por supostamente abrir brecha para reprimir movimentos sociais, foi aprovado em comissão especial em meados de setembro. A intenção do autor do texto, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), era aprovar a urgência e levar o projeto ao plenário.

No entanto, o placar foi de 228 a 199 –para ser aprovado, o requerimento precisava ter recebido o apoio de pelo menos 257 deputados. Líder do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ) comemorou a rejeição do requerimento. "A democracia saiu vitoriosa hoje. Mas um projeto tão grave entrar em pauta é um escândalo", afirmou.

"Inadmissível um tipo penal amplo que poderia perseguir movimentos sociais e organizações políticas. Inadmissível a criação de um sistema de inteligência paralelo que nos remete ao DOI-CODI da ditadura civil-empresarial-militar. Que bom que a defesa das liberdades democráticas, dos direitos humanos e da livre manifestação venceu a ânsia autoritária bolsonarista. Ditadura nunca mais."

No final de setembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia sinalizado que, mesmo passando na comissão especial, o texto estava "longe de pauta" no plenário.

O projeto é de autoria do deputado Vitor Hugo, bolsonarista e que foi líder do governo na Câmara. O texto foi apresentado em março de 2019. Em junho deste ano, Lira, eleito com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, criou a comissão especial para analisar o tema.

O texto é criticado por organizações de defesa dos direitos humanos por trazer um conceito aberto de terrorismo e por autorizar a aplicação das medidas em atos que, mesmo não tipificados como terrorismo, "sejam ofensivos para a vida humana ou efetivamente destrutivos em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave."

O receio é que na definição sejam incluídos movimentos sociais. Em nota, a organização de direitos humanos Conectas diz que na proposta não há qualquer elemento que diferencie o ato terrorista de crimes comuns e que os únicos requisitos para que se configurem são "resultados genéricos como 'perigo para a vida humana' e 'afetar a definição de políticas públicas', que nem sequer precisam se concretizar, uma vez que basta que o agente 'aparente ter a intenção' de causá-los".

O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), procurador Ubiratan Cazetta, também critica o que considera de "série de conceitos abertos que permitem que se coloque como atividades contraterroristas discussões que são sociais, como protestos."

"Há uma abertura de conceitos tão grandes que pode levar para a noção de contraterrorismo manifestações sociais de qualquer lado", disse.

O texto indica que as ações previstas no projeto pressupõem a participação da população brasileira, "especialmente quanto à colaboração com o poder público na obtenção de informações acerca de atitudes suspeitas" e na "construção de um ambiente social seguro e pacífico".

Além disso, prevê a proteção da identidade de agentes públicos empregados em ações contraterroristas, inclusive com o uso de identidade diferente da verdadeira do agente. Movimentos sociais advertem para a possibilidade de que eles se infiltrem nos grupos com o argumento de "prevenir ou combater a ameaça terrorista".

O projeto institui o Sistema Nacional Contraterrorista e prevê que a execução da Política Nacional Contraterrorista será fixada pelo Conselho de Defesa Nacional e implementada pela Autoridade Nacional Contraterrorista, nomeada pelo presidente da República.

O texto diz que autoridades responsáveis pelo Comando Conjunto de Operações Especiais e pelo Grupo Nacional de Operações Especiais poderão pedir à Justiça que determine às operadoras de telefonia celular a localização geográfica de aparelhos telefônicos específicos.

Segundo o texto, o requerimento será distribuído, sob segredo de justiça, e o juiz deverá proferir imediatamente uma decisão fundamentada. O projeto indica ainda que o Comando Conjunto de Operações Especiais e o Grupo Nacional de Operações Especiais, unidades estratégicas contraterroristas, serão diretamente subordinados ao presidente da República ou à autoridade por ele designada e serão compostos por militares e civis especialmente selecionados.

Líder do PDT na Câmara, o deputado Wolney Queiroz (PE), afirmou que o objetivo da criação da autoridade nacional de segurança pública era "criar uma polícia política para perseguir adversários."

"O Brasil não tem terremoto, o Brasil não tem vulcão, o Brasil não tem terrorismo. O que querem fazer é criminalizar os movimentos sociais. Isso é um atentado contra a democracia."

Para o presidente da ANPR, o projeto abre espaço para investigações ou acompanhamentos que podem ser usados em processos de forma ampla. "O projeto é muito aberto e permite que a estrutura de inteligência possa ser usada de uma maneira muito ampla", ressaltou.

"Não temos nenhum elemento hoje concreto que diga que o Brasil precisa discutir em regime de urgência uma legislação contraterrorista", criticou. "Se estivéssemos em um ambiente de ações terroristas, mas não é o caso."

Cazetta avaliou ainda que o atual momento de grande polarização da sociedade brasileira prejudica uma discussão equilibrada. Um dos trechos mais criticados do relatório abrange excludentes de ilicitude. O primeiro dispositivo propõe legítima defesa para o agente público que atirar para "resguardar a vida de vítima, em perigo real ou iminente, causado pela ação de terroristas, ainda que o resultado, por erro escusável na execução, seja diferente do desejado".

Há ainda previsão "em estrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa de outrem, conforme o caso, o agente público contraterrorista compondo equipe tática na retomada de instalações e no resgate de reféns que, por erro escusável, produza resultado diverso do intentado na ação."

E também em "estado de necessidade ou no contexto de inexigibilidade de conduta diversa o infiltrado que pratique condutas tipificadas como crime quando a situação vivenciada o impuser, especialmente, se caracterizado risco para sua própria vida."

Em nota, o Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos critica a medida. "Ao reduzir as sanções para agentes do Estado que ferirem ou matarem em legítima defesa, somado à amplitude do conceito do terrorismo, concederá uma espécie de licença para matar em caso de hipótese, ainda que vaga, de ameaça."