Lava Jato de Moro e Deltan enfrentou decadência; entenda as polêmicas

Por: José Marques

Quase incólume até 2018, a Operação Lava Jato começou a entrar em decadência e ser questionada com veemência após o então juiz Sergio Moro aceitar o cargo de ministro no governo do recém-eleito Jair Bolsonaro.

Os problemas se agravaram no ano seguinte, quando mensagens vazadas do Telegram de procuradores, obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas também por outros veículos de comunicação, como a Folha de S.Paulo, expuseram a proximidade entre a acusação e o magistrado.

Advogados que já criticavam a operação interpretaram aqueles diálogos como sinal inequívoco de parcialidade do juiz e de desvios dos membros do Ministério Público Federal. Até aquele momento, o maior desgaste de Moro havia sido a divulgação irregular da escuta telefônica entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula –sem grandes consequências à época.

A celeridade no julgamento do ex-presidente antes das eleições de 2018, tanto em primeira instância quanto no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), também surpreendia.
Ainda em 2019, reportagens da Folha revelaram que investigação interna confirmou suspeitas de dois grampos ilegais instalados na sede da PF do Paraná, com o objetivo de escutar conversas de presos da Lava Jato e também de colegas críticos à operação. Os delegados que mandaram instalar os equipamentos de escuta, porém, não foram punidos.

O desgaste da operação se juntou a outros problemas de imagem, como a fala do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que planejara matar o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e, em seguida, suicidar-se.

Isso fez com que o apoio do público e de tribunais, que a Lava Jato considerava como alguns dos seus pilares, minasse e a operação começasse a sofrer seguidas derrotas. Ao mesmo tempo, as estruturas de combate à corrupção foram desmontadas pela PGR na gestão Augusto Aras -e sofreram interferência do presidente Jair Bolsonaro.

Em 2020, Moro deixou o governo Bolsonaro, rompido com o presidente, e, neste ano, foi considerado parcial pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em condenação de Lula. O ex-juiz se filiou ao Podemos para disputar a Presidência em 2022, agora como rival tanto do petista como de Bolsonaro.

Ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol pediu exoneração do Ministério Público em novembro e também se filiou ao Podemos, sinalizando uma candidatura ao Legislativo no ano que vem.

DIVULGAÇÃO DE ESCUTA DE DILMA

A divulgação de um diálogo entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, ambos do PT, foi considerada uma das decisões mais controversas de Sergio Moro como juiz da Lava Jato.

Em 16 de março de 2016, cinco horas depois de mandar interromper a escuta telefônica que autorizara no início do cerco da operação a Lula, Moro tornou público um diálogo em que Dilma tratou com Lula de sua posse como ministro da Casa Civil.

A divulgação do áudio de 1min35s levou o Supremo Tribunal Federal a anular a posse de Lula, às vésperas da abertura do processo de impeachment de Dilma. Para a Lava Jato, o telefonema mostrava que a nomeação de Lula como ministro tinha como objetivo travar as investigações sobre ele, transferindo seu caso de Curitiba para o STF.

No STF, o ministro Teori Zavascki decidiu anular parte da interceptação telefônica e fez críticas ao juiz. Foi a primeira vez que um tribunal anulou prova da Lava Jato. Para Teori, como o grampo ocorreu após a Justiça do Paraná determinar o fim de interceptação no fim da manhã do mesmo dia, ele foi ilegal.

O ministro, que morreu em um acidente de avião em 2017, considerou ainda que houve usurpação de competência do Supremo da parte de Moro, porque os áudios envolviam pessoas que tinham prerrogativa de foro, que só podem ser investigadas com aval do tribunal. O ministro disse que a divulgação foi um fato grave, que poderia comprometer o resultado a investigação.

"E, o que é ainda mais grave, procedeu a juízo de valor sobre referências e condutas e sobre matéria probatória que, segundo a própria decisão, não mais se encontrava na esfera de competência do reclamado [Moro]", afirmou em seu voto.

Uma pesquisa feita pela força-tarefa da operação em Curitiba concluiu que o procedimento adotado no caso de Lula foi diferente do observado em outros casos semelhantes, de acordo com mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato.

Em 2021, Moro foi considerado pelo STF como parcial no caso do tríplex, o que levou à anulação de todas as decisões dele no processo. Mais tarde, a suspeição de Moro foi estendida aos outros processos de Lula com decisões do ex-juiz.

APROXIMAÇÃO ENTRE JUIZ E ACUSAÇÃO

O pacote de mensagens vazadas do aplicativo Telegram e divulgadas a partir de junho de 2019, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato, impactou a percepção pública sobre a Lava Jato. Em 2019, a Polícia Federal deflagrou uma operação que prendeu suspeitos de hackearem os procuradores.

As mensagens, que foram obtidas pelo The Intercept Brasil, expuseram colaborações entre Moro e Deltan Dallagnol, que foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Nelas, havia indicação de que o juiz indicou uma testemunha, a antecipação de ao menos uma decisão e a sugestão de uma resposta ao que chamava de "showzinho" da defesa de Lula, que havia prestado depoimento a ele.

Havia, também, dúvidas de Deltan a respeito da solidez das provas que sustentaram a primeira denúncia apresentada pela força-tarefa contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP).

Em conversa com Deltan, Moro sugeriu melhorar o desempenho de uma procuradora durante interrogatórios. O então juiz também se posicionou contra investigações sobre o ex-presidente FHC na Lava Jato por temer que elas afetassem "alguém cujo apoio é importante".

Procuradores trataram o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, com desconfiança durante quase todo o tempo em que se dispôs a colaborar com as investigações. Seu depoimento foi fundamental para a condenação de Lula pelo caso do tríplex. Ele só passou a ser considerado merecedor de crédito após mudar diversas vezes sua versão sobre o apartamento que a empresa afirmou ter reformado para o líder petista.

A defesa dos procuradores tem dito que não há registro suficiente para atestar a autenticidade das mensagens. Afirma que não há como se certificar se o que foi apreendido foi efetivamente digitado pelos usuários do aplicativo.

Ao longo de dezenas de reportagens produzidas após a revelação do material pelo Intercept, não foi encontrado nenhum indício de que as mensagens tenham sido adulteradas ou editadas.

GRAMPOS NA SEDE DA POLÍCIA FEDERAL

Análise feita pela Polícia Federal apontou que uma escuta instalada em uma cela de presos da Lava Jato em 2014 gravou irregularmente 260 horas (11 dias) de conversas no Paraná.
Entre as conversas gravadas estavam as dos doleiros Alberto Youssef e Nelma Kodama, no início da operação.

Após Youssef achar o grampo em sua cela, um delegado abriu uma sindicância para apurar se houve interceptação ilegal, mas oficialmente chegou à conclusão de que o aparelho que tinha sido achado estava inoperante.

O delegado chega a essa conclusão sem ouvir formalmente o agente que era responsável por instalar esse tipo de escuta, e sem encaminhar o equipamento à perícia. Mas um novo depoimento desse agente, colhido em 2015 por outro delegado, causou uma reviravolta no caso. O policial afirmou ter instalado o equipamento especificamente para gravar os presos da Lava Jato e afirmou que o fez a pedido de delegados da Operação Lava Jato.

Foi aberta uma nova sindicância para apurar os grampos. Dessa vez, o equipamento foi enviado para análise de peritos, que apontou a existência das 260 horas de gravação. Além disso, uma delegada e um agente da Polícia Federal admitiram ter instalado uma escuta dentro da superintendência do órgão em Curitiba, sem autorização judicial, para investigar funcionários da corporação suspeitos de atuar contra a Lava Jato nos primeiros anos da operação. A escuta foi escondida em uma luz de emergência, no fumódromo.

PROCESSOS NO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Em 2020, o CNMP puniu com pena de censura Deltan Dallagnol. Os conselheiros entenderam, por 9 votos a 1, que Deltan extrapolou limites da simples crítica e teve o intuito de interferir nos rumos do Poder Legislativo.

O caso foi resultado de uma representação em que o senador Renan Calheiros (MDB-AL), investigado na Lava Jato, acusou Deltan de quebra de decoro. Renan alegou que o ex-coordenador da Lava Jato foi às redes sociais para atacá-lo e tentar interferir na eleição da presidência do Senado em 2019, o que configuraria ato político-partidário, vetado aos integrantes do Ministério Público.

De acordo com a representação do senador, Deltan apontou que a vitória do emedebista dificultaria a votação de matérias legislativas para o combate à corrupção. Em outubro deste ano, o CNMP aplicou pena de demissão ao procurador Diogo Castor de Mattos, que foi membro da força-tarefa de Curitiba. Ele havia cedido recursos para um outdoor colocado na saída do aeroporto da capital paranaense no início de 2019, por ocasião dos cinco anos da investigação.

"Bem-vindo a República de Curitiba. Terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a Lei se cumpre", afirmava o outdoor.

Por 6 votos a 5, o plenário do CNMP considerou que o procurador cometeu ato de improbidade administrativa. Segundo o entendimento, a infração impõe a pena de demissão. Para que haja demissão, no entanto, ainda deve haver uma ação administrativa no Ministério Público Federal de perda de cargo.

A defesa dele tem frisado que o dinheiro doado foi privado, que a contratação do outdoor foi feita por terceiros e que Castor de Mattos nunca foi punido antes pelo CNMP, e, portanto, ele deveria ter uma punição mais branda, como suspensão.

No dia seguinte, o conselho instaurou processo administrativo disciplinar contra os 11 integrantes da antiga força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro por supostamente terem violado o sigilo de investigação sobre pagamento de propina na construção de Angra 3.

Por 8 votos a 4, os conselheiros decidiram instaurar o procedimento aberto a pedido dos ex-ministros Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho Márcio Lobão, acusados pelo grupo de procuradores.