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Pires não divulga lista de clientes, mas terá que entregá-la à Petrobras

Por: João José Oliveira

Indicado pelo governo para assumir a presidência da Petrobras, o economista Adriano Pires terá que apresentar à estatal a lista de clientes do Cbie (Centro Brasileiro de Infraestrutura), consultoria especializada em energia da qual ele é sócio, fundador e diretor. A lista é necessária para a Petrobras checar se há algum conflito de interesses entre a atuação do executivo até hoje e a posição de presidente da petroleira, segundo especialistas em governança corporativa e mercados de capitais consultados pela reportagem.

A Petrobras, porém, não tem obrigação de tornar a lista pública. Caso algum acionista, cliente ou mesmo concorrente da empresa deseje ter acesso às informações, deverá acionar a ouvidoria, o comitê de pessoas ou o conselho de administração da empresa para tentar consegui-las. Ou ainda, acionar a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e órgãos do governo, como o TC (Tribunal de Contas da União) e o Ministério da Economia.

De acordo com o colunista do UOL Rubens Valente, o Cbie se recusa a divulgar publicamente sua lista de clientes, mas Pires é conhecido por atuar para algumas das principais empresas de energia do mundo.

No site da consultoria, há referências às norte-americanas Chevron e Exxon Mobil, à britânica Shell e à própria Petrobras. A consultoria também menciona Única (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Fierj (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), bancos privados, empreiteiras como a Odebrecht e a Braskem e o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), que representa as principais empresas do setor dentro e fora do país.

Pires também terá que informar à Petrobras se o Cbie fez negócios com a própria empresa nos últimos três anos. O estatuto da petroleira veda a indicação ao conselho ou a cargos de direção de pessoas que tenham assinado contrato ou parceria, seja como fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza com a própria Petrobras ou com subsidiárias sediadas no Brasil.

O economista foi indicado nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para assumir a presidência da Petrobras, no lugar do general Joaquim Silva e Luna. A mudança precisa ser votada na assembleia geral Ordinária da companhia, marcada para 13 de abril.

"O [futuro] presidente da Petrobras tem o dever ético e legal de divulgar sua trajetória profissional, especialmente no que concerne a empresas em relação às quais possa ser gerado eventual conflito de interesses. Aliás, o Estatuto Social da Empresa estabelece, em seu art. 21, parágrafo 2º, que o indicado para o cargo de administração não poderá apresentar qualquer forma de conflito de interesse com a companhia", afirma Cristiano Vilela, sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Procurada para comentar os pontos levantados pela reportagem, a Petrobras não respondeu ao pedido de informação até o momento. Por meio do Cbie, Pires respondeu que está em período de silêncio, expressão que se refere ao intervalo em que uma empresa não pode divulgar informações durante sua abertura de capital na Bolsa. O período de silêncio, portanto, não se aplica ao caso de Pires.

POTENCIAIS CONFLITOS DE INTERESSE

Para avaliar potenciais conflitos de interesses, os comitês que assessoram o conselho de administração da petroleira terão que receber informações de Adriano Pires e da Cbie. Entre elas, estão as empresas com as quais a consultoria de Pires fez e faz negócios.

Advogados que trabalham na área citam parágrafos do capítulo 4 do Código de Conduta da Petrobras, que determinam ser responsabilidade de todos os colaboradores da companhia:

Reportar imediata e formalmente a ocorrência de qualquer conflito de interesses, ou a aparência de sua existência, ao superior hierárquico ou à ouvidoria da Petrobras por meio dos canais disponíveis.

Declarar-se impedido de decidir ou de realizar determinadas atividades sempre que o respectivo ato for capaz de gerar um conflito de interesses real ou em potencial.

Para advogados que atuam no mercado de capitais e gestores de fundos com ações da Petrobras -que pediram anonimato por regras de governança das empresas em que atuam-, dois pontos podem levar a questionamentos sobre potenciais conflitos de interesse na indicação de Pires:

- As relações entre o Cbie e a Petrobras nos últimos anos

- As relações de clientes da Cbie com a Petrobras, seja como fornecedoras, compradoras ou mesmo concorrentes.

RECUSA ANTERIOR PARA REVELAR NOMES DE EMPRESAS CLIENTES

Em abril de 2019, Pires optou por não assumir uma posição no CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), vinculado ao Ministério de Minas e Energia, para não ter que revelar sua lista de clientes, quando ela foi solicitada, antes de ele tomar posse. Ele havia sido nomeado em dezembro de 2018.

Na recusa, Pires disse ao TCU, que, "ao tomar conhecimento da presente representação, optou, de forma preventiva, por pedir a sua dispensa da função de membro do CNPE".

PETROBRAS JÁ BARROU CANDIDATO AO CONSELHO

A Petrobras teve recentemente casos de indicados ao conselho da companhia que foram questionados ao longo do seu processo de aprovação.

Em abril de 2021, Marcio Andrade Weber, indicado pela União, teve o nome questionado pelo Comitê de Pessoas por ter sido diretor da Petroserv, que foi fornecedora e operadora de sondas da Petrobras até agosto de 2020. O comitê é um dos seis que assessoram as decisões do Conselho de Administração da companhia.

No mesmo processo, Pedro Rodrigues Galvão de Medeiros, indicado para ocupar o assento reservado aos acionistas minoritários representados por um grupo de gestoras, foi impedido, por ter sido diretor do Citi. O banco havia atuado na operação de abertura do capital da BR Distribuidora, então pertencente à Petrobras, até dezembro de 2020.

A decisão final sobre essas indicações ficou com a assembleia de acionistas, que aprovou o nome de Weber -hoje um dos 11 membros do conselho. Mas Medeiros foi barrado.

"Quaisquer dúvidas com relação a eventual conflito de interesses podem ser levantadas diretamente pelo Conselho de Administração da empresa, pelo ministro de Estado ao qual a companhia está vinculada ou, ainda, pelos órgãos de controle do governo federal, bem como o TCU e o Congresso Nacional", explica Cristiano Vilela.

CVM PODE SER PROVOCADA POR ACIONISTAS

Mesmo se aprovado pela pela assembleia em abril, o nome de Pires para ocupar a presidência da Petrobras pode ser questionado na CVM, apontam advogados do mercado de capitais.

Esse é o caminho para acionistas minoritários que eventualmente virem conflito de interesses na nomeação de Pires, que possa ser prejudicial aos interesses dos detentores de ações da petroleira.

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