Juiz das garantias ultrapassa 2 anos na gaveta de Fux sem nenhum sinal de solução

Por: Danielle Brant e José Marques

Aprovado no pacote anticrime em 2019, a decisão sobre a implementação do juiz das garantias não deve ocorrer em 2022 devido à avaliação no Congresso de que o tema precisa ser melhor debatido e pela resistência de magistrados, que pressionam o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux.

O juiz das garantias determina a divisão da responsabilidade de processos criminais em dois juízes: um autoriza diligências da investigação e o outro julga o réu.

Fux suspendeu a instituição do modelo em janeiro de 2020 devido a questionamento de entidades ligadas a juízes e ao Ministério Público. Ele é o relator dos processos.

O principal ponto questionado no texto aprovado no Congresso foi a falta de um vacatio legis –intervalo entre a publicação e a vigência de uma lei– compatível com a mudança proposta com a criação do juiz das garantias.

A lei passou a vigorar após 30 dias da publicação oficial, prazo considerado insuficiente pelo Judiciário. No entanto, mais de dois anos após a suspensão, Fux ainda não levou o caso para análise do colegiado.

Nos bastidores, o Supremo aguarda que seja aprovado o novo Código de Processo Penal, que ampliaria o prazo para as mudanças no Judiciário.

Com isso, as ações perderiam o objeto e não precisariam ser julgadas. Mas, no Congresso, a avaliação é a de que a discussão sobre o novo CPP só deve ser retomada em 2023, após as eleições, sob uma nova conjuntura de forças na Câmara e no Senado.

Entidades que representam magistrados também defendem que eventual mudança sobre a instalação do juiz das garantias fique sob responsabilidade do Congresso e volte a ser discutida apenas no ano que vem.

"Na prática, não tinha como o juiz das garantias ser adotado [no prazo anterior]. E agora, com a pandemia, com teto de gastos, com guerra, não há como cobrar um investimento em estrutura do Judiciário", afirma Eduardo Brandão, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais).

A presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Renata Gil, afirma que o Congresso entendeu que foi muito curto o prazo proposto em 2019 e agora tenta corrigir o problema. Ela também afirma, porém, que o assunto só deve ser retomado no ano que vem.
"Não é o momento adequado para discutir um instituto desses. É melhor que o assunto seja discutido em um momento de mais serenidade."

A aprovação do juiz das garantias pelo Congresso foi cercada de controvérsia. O instituto era criticado pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, que argumentava que haveria acúmulo de trabalho para os magistrados.

Na época, o presidente do STF era o ministro Dias Toffoli, que defendia ser possível redistribuir os processos sem a necessidade de novas contratações e sem sobrecarregar juízes.

Defensores da proposta também diziam que o objetivo era dar mais imparcialidade aos julgamentos, na esteira da revelação de mensagens que sugerem a colaboração entre integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e o então magistrado Moro.

Em oposição, o Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior tribunal do Brasil, apontou que a instalação do novo modelo encareceria seus custos e seriam necessários ajustes orçamentários para que acontecesse.

No Supremo, tramitam quatro ações a respeito do tema, que apontam a possibilidade de inconstitucionalidade no texto aprovado pelo Congresso sobre o juiz das garantias.

Sob o argumento de que era necessário ampliar o debate, Fux convocou em outubro passado audiências públicas sobre o assunto. Depois disso, não houve andamentos relevantes nos processos.

Congressistas que encabeçaram a discussão do pacote anticrime reconhecem que o Congresso errou ao não estabelecer um prazo adequado para entrada em vigor da lei.

Para adequar a decisão, eles passaram a articular a ampliação do período para cinco anos a partir de 2019, quando o texto foi sancionado. A mudança seria feita no Código de Processo Penal.

Mas, na Câmara, a discussão do novo CPP tem esbarrado em entraves. Inicialmente, o texto estava sendo debatido dentro de uma comissão especial –colegiado da Câmara que analisa o mérito de uma proposta.

No entanto o relatório preliminar, a cargo do deputado João Campos (Republicanos-GO) e que incluía o juiz das garantias, foi alvo de muitas críticas. A comissão, então, foi encerrada no primeiro semestre de 2021 sem votar o parecer.

Em junho do ano passado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou um grupo de trabalho, colegiado mais flexível do que uma comissão especial. O relator seguiu sendo João Campos e a coordenação ficou a cargo da deputada Margarete Coelho (PP-PI).

No grupo, foi incluído o novo prazo para entrada em vigor do juiz das garantias.

Os cinco anos a partir de 2019 são um período considerado adequado pelos congressistas para que se estabeleçam as condições de adotar o juiz das garantias no país.

Ou seja, se o novo código fosse aprovado em 2022, por exemplo, haveria menos de três anos para que o instituto pudesse começar a ser aplicado.

Nada indica que o grupo vá se debruçar com afinco sobre o tema neste ano.

A última reunião do colegiado correu no final de novembro do ano passado. Neste ano, ainda não há nenhum encontro marcado –apesar de as comissões permanentes não terem sido retomadas, já houve reuniões de algumas comissões especiais e também de outros grupos de trabalho.

Um dos fatores que explica o baixo interesse em retomar os encontros são as eleições. Com o sistema semipresencial ainda em vigor, boa p arte dos deputados tem se dedicado a visitar suas bases, e o novo CPP não é visto como prioridade, além de o tema ser considerado delicado.

As eleições também devem modificar a composição do Congresso, o que significa que, eventualmente, os membros do grupo poderiam mudar. A ideia também é esperar para ver qual a nova conjuntura de forças dentro do Parlamento e se haverá mais interesse em aprovar o CPP logo no primeiro ano da nova Legislatura.
Integrante do grupo de trabalho, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) reconhece que o colegiado está parado.

"No ano passado, ficou combinado que os parlamentares dariam sugestões dos artigos, emendas, e fariam contribuições até o fim de janeiro deste ano para retomar o grupo. Os parlamentares fizeram isso, mas as reuniões não voltaram", diz.

Na avaliação dela, a complexidade dos temas dificulta que o CPP seja aprovado neste ano.

"Tem assuntos que são muito complexos. Alguns têm discussões relevantes, como prisão em segunda instância, o papel das polícias. Dificilmente alguma coisa vai ser aprovada, uma vez que é uma discussão muito profunda."