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À frente da CCJ da Câmara, bolsonarista Bia Kicis prioriza projetos para limitar atuação do Supremo

Danielle Brant (Folhapress)

Presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) incluiu duas propostas no principal colegiado da Câmara para limitar a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal). Bia Kicis é investigada no Supremo inquérito das fake news e no que apura atos antidemocráticos. Assim como Bolsonaro, é crítica do isolamento social para evitar a propagação do novo coronavírus.

A iniciativa dela na CCJ se dá em um contexto de crescentes críticas de deputados e senadores ao que chamam de ativismo judicial dos ministros. Incomodam em especial decisões com impacto no Congresso.

Dois casos recentes ilustram as queixas. O primeiro é a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), em fevereiro, por ordem de Alexandre de Moraes. O deputado publicou vídeo com ataques e ofensas a integrantes do Supremo.

Já no início deste mês, Luís Roberto Barroso mandou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instalar a CPI da Covid. A comissão parlamentar de inquérito vai apurar a condução da pandemia no país.

No Senado, a CPI foi instalada na terça-feira (27). Um dia depois, por 11 a 0, os ministros do Supremo tornaram Silveira réu e abriram uma ação penal contra ele por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal. Nos dois casos, as decisões monocráticas foram confirmadas pelo plenário do Supremo.

Para fazer frente ao poder da corte, os projetos pautados por Kicis tratam de restrições a ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade), ADPFs (arguições de descumprimento de preceito fundamental) e ADOs (ações diretas de inconstitucionalidade por omissão).

Um deles quer modificar as regras para concessão de decisões monocrátricas de natureza cautelar -que antecipam provisoriamente o efeito do pedido até o julgamento do mérito- nas ADIs e ADPFs. A proposta é de autoria do deputado João Campos (Republicanos-GO). A relatoria é do colega de legenda de Kicis, Felipe Francischini (PSL-PR). Segundo o relator, a ideia é explicitar em lei que trata dessas ações que medidas cautelares precisam do aval da maioria absoluta dos ministros do Supremo.

Francischini diz que decisões monocráticas têm elevado impacto jurídico, econômico e social. Cita como exemplo as ADIs sobre tabelamento do frete, transferência de controle acionário de estatais e criação de tribunais regionais federais.

"Não se cuida, pois, apenas de indesejável morosidade judicial, mas especialmente do evidente 'apoderamento' transitório de uma competência do plenário, posto que a decisão monocrática de ministro passa a substituir, no tempo e no mérito, a decisão colegiada requerida por nossa lei maior [a Constituição]", afirma.

No entanto seria aberta a possibilidade de, durante o recesso, em caso de extrema urgência e perigo de lesão grave, o presidente do STF conceder medida cautelar a ser referendada pelo plenário até a oitava sessão após a retomada das atividades. O texto ainda proíbe decisão monocrática de natureza cautelar em ADI ou ADPF em sentido contrário a tema já decidido pelo colegiado.

O outro projeto em pauta restringe a extensão das ADOs (ações diretas de inconstitucionalidade por omissão). A proposta é de autoria da deputada Chris Tonietto (PSL-RJ) e relatada pelo colega de partido Vitor Hugo (GO). ?

O projeto inclui dois dispositivos no artigo sobre ADOs na lei que trata de processo e julgamento de ADIs e ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) perante o Supremo. O primeiro diz que não será objeto de ADO matéria que tenha tramitado no Congresso, em qualquer uma de suas fases, na Câmara ou no Senado, pelo período correspondente aos últimos cinco anos.

O outro dispositivo diz que não será objeto de deliberação a ação que se fundar em qualquer dos itens constitucionais "de ordem puramente principiológica". O texto chegou a ter o parecer proferido na CCJ nesta quarta, mas não avançou por pedido de vista de deputados da oposição que criticam a decisão de pautar esses projetos.

"Os dois projetos que limitam as decisões do STF, assinados e relatados pela extrema direita, são uma retaliação à prisão de Daniel Silveira e às decisões corretas do STF que barraram decretos e ações inconstitucionais do presidente Jair Bolsonaro", diz a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

"É grave que a principal comissão da Casa seja palco desse tipo de projetos, mas previsível tendo a presidente que têm", afirma.

Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a pauta é preocupante. Ela critica ainda o fato de os projetos serem relatados por congressistas do partido de Kicis. "De fato, a extrema direita visa o pensamento único contra a diversidade. Nosso enfrentamento é contra o autoritarismo e o poder absoluto que pretendem [ter]", diz Rosário.

Porém as iniciativas têm respaldo de congressistas de outras legendas. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), por exemplo, diz que há abusos nas concessões de liminares monocráticas.
"É uma reação ao Supremo Tribunal Federal pelos avanços contra o Poder Legislativo e contra o Poder Executivo, de usurpação de competência que a corte tem protagonizado nos últimos anos", afirma.

O deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) avalia que as discussões sobre a atuação do Supremo são cada vez mais necessárias para o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes.
Para ele, no entanto, o projeto que trata das ADOs precisa ser analisado com "muito mais cuidado e parcimônia" por proibir fundamentação principiológica, "o que poderia afetar drasticamente a competência do STF para interpretar o texto constitucional".

Já o deputado Gilson Marques (Novo-SC) considera os dois projetos positivos. "Não cabe a burocratas não eleitos acelerarem o trâmite de projetos de lei em discussão nem decidir em que pautas o Legislativo deve atuar", diz.

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