Mário Covas, avô de Bruno, fez de seu câncer assunto público, mas gravidade da doença foi amenizada

Gustavo Fioratti (Folhapress)

Quando Mário Covas morreu, após enfrentar um câncer que se originou na bexiga, perdeu-se não apenas o governador do estado de São Paulo mas também um político que era visto dentro de seu partido como presidenciável e sucessor natural do correligionário Fernando Henrique Cardoso, então no comando do país.


O avô de Bruno Covas morreu no dia 6 de março de 2001, dois anos após se reeleger governador com uma bagagem política para poucos e menos de três anos após iniciar o tratamento do câncer que avançou pelo sistema digestivo. Houve semelhanças com a luta clínica do neto.


Mário, ao contrário de Bruno, teve mais tempo para consolidar seu legado. Formado em engenharia, combateu a ditadura, foi líder do PMDB (hoje MDB) na Assembleia Constituinte e rompeu com o partido por divergir de medalhões como José Sarney e Ulysses Guimarães (1916-1992), principalmente quando defendia o parlamentarismo e o mandato de quatro anos para o chefe do executivo.


Na sua conta estão os cargos de deputado federal, senador (1987/1995), governador de São Paulo (1995 até morrer) e prefeito da capital paulista (1983-1985). Fundou o partido ao qual também o neto pertence, o PSDB, ao lado de outros políticos, entre eles FHC, em 1988, e tornou-se figura central na vida política do estado de São Paulo.


Quem lia o noticiário e via a cobertura televisiva sobre a evolução do câncer de Covas também acompanhava o avanço da ciência no campo da oncologia em um de seus períodos mais férteis. Os procedimentos cirúrgicos e o tratamento quimioterápico eram tratados como amplas conquistas na ciência médica.


Mas, ao mesmo tempo em que o interesse pela saúde do governador ganhava a mídia, soube-se depois, houve parcimônia na divulgação do quadro clínico do governador, especialmente nos primeiros sinais de dor na região da lombar.
Uma correção tardia, anos após a morte de Covas, do médico David Uip sobre o histórico de seu paciente tornou pública essa seletividade. A extração do tumor na bexiga, em dezembro de 1998, havia sido tratada inicialmente como um problema benigno de próstata. O câncer foi informado à população depois da operação.


Covas deu munição para as editorias de saúde quase na mesma medida que para os jornalistas da política. Fumava muito, chegando a cinco maços diários, segundo amigos. Já havia sofrido infartos em 1986 e 1987, tinha duas pontes de safena. Em 1993, extraiu a vesícula. Em 1994 e 1995, foi internado por conta de uma infecção na pele. Em outubro de 2000, um pólipo no intestino fez retornar a descoberta de um tumor maligno. O problema diagnosticado antes de sua reeleição em 1999 estava de volta.


Em janeiro de 2001, Covas afastou-se do governo, sendo substituído por Geraldo Alckmin, início de um longo período do PSDB na liderança do estado que se estende até hoje, com João Doria no cargo. Naquele ano, precisou ser submetido a uma nova cirurgia, na qual parte de seu intestino foi retirada. Com esse histórico, tornou-se um dos governadores que mais despachou de quartos hospitalares, com passagens no Hospital das Clínicas e no Instituto do Coração.


Na trajetória do prefeito Bruno Covas repete-se parte da história do avô.


Ele passou boa parte de 2020, último ano como sucessor de João Doria na administração do município de São Paulo, entre uma crise de saúde pessoal e outra pública: com o diagnóstico de um câncer no aparelho digestivo no ano anterior, se viu à frente dos esforços para conter a pandemia na capital enquanto a gravidade de sua própria doença, para o eleitor, ficava em segundo plano.


A primeira internação de Bruno Covas havia ocorrido em 23 de outubro de 2019, quando, além de pontos de tumor na cárdia -ponto entre o estômago e o esôfago-, também fora detectada uma metástase no fígado. Ele não recuou e foi a público dizer que a doença e o tratamento quimioterápico não o afastariam do trabalho.


Sustentou sua candidatura para o mesmo posto, foi eleito e assumiu a prefeitura novamente em janeiro, apoiando-se na imagem de um lutador convicto, nas imagens de resiliência ao lado do filho exibidas por uma propaganda eleitoral feita dentro de casa e no slogan "Força, Foco e Fé".


Desde o início do tratamento, o prefeito foi assistido por uma equipe médica em atendimento no Hospital Sírio-Libanês, da qual participaram David Uip, Roberto Kalil Filho e Artur Katz. A aplicação de imunoterapia parecia ter efeito positivo, e Tulio Eduardo Flesch Pfiffer, médico que também o acompanhou desde o início do diagnóstico, chegou a atestar que ele estava "clinicamente ótimo".


A imagem exibida na propaganda eleitoral de Covas, de um homem mais perseverante e alegre, não era a mesma do político cada vez mais magro e contido que, nas diversas centrevistas coletivas sobre a Covid-19, anunciava medidas de contenção.


A pandemia teria um segundo pico agressivo e eclipsava o câncer, evidenciado pela tonalidade da pele e as olheiras, sempre atrás de máscaras. Mas havia uma melhora. Ou ao menos era essa a versão que o prefeito e sua equipe médica traziam.


No fim do ano, segundo os médicos, as lesões cancerígenas haviam regredido, sem desaparecer por completo. Em fevereiro, porém, os mesmos médicos apontaram o que seria um novo nódulo no fígado. O câncer havia "ganhado terreno", termo usado pelos oncologistas, com a ressalva de que o problema seria menor do que o apontado no diagnóstico do ano anterior. No dia 18 de janeiro, essa dose de otimismo recuou e foi anunciada a internação que também afastaria Covas do cargo de prefeito por dez dias.


Embora tenha se mantido ativo, despachando do hospital, pessoas de seu convívio afirmam que desde o início do ano Bruno Covas estava deprimido com a possibilidade e a proximidade da morte.


Em abril, veio a constatação de que o câncer se expandira, com complicações que, mais tarde, levariam à sua morte ainda no primeiro ano de seu segundo mandato.