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Em meio à pandemia de coronavírus, feira de Acari reúne centenas no Rio de Janeiro

Por Lethicia Amâncio/ Folhapress

A feira de Acari, ponto de comércio popular da zona norte do Rio desde os anos 1970, ignora a quarentena contra o coronavírus e continua a funcionar. Já parte da história do bairro e tema de músicas, o mercado de rua clandestino movimenta comerciantes e clientes de outras regiões da cidade e de municípios vizinhos.

Apesar do risco de contágio, trabalhadores se dizem sem outra forma de sustento e continuam a expor produtos no local. Já sentiram no bolso, porém, o impacto da diminuição do fluxo na feira, que costuma receber cerca de 3.000 pessoas todo domingo.

Com a percepção de que a população está relaxando nas medidas de isolamento, a Prefeitura do Rio tem feito fiscalizações pela cidade e usa carros de som para alertar sobre os riscos de sair às ruas.

Desde o decreto do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) que suspendeu o funcionamento do comércio na cidade, em 22 de março, a polícia só compareceu à feira uma vez. Foi no dia 29 de março, quando a interrompeu, segundo frequentadores .

Em um quilômetro e meio de comprimento desse comércio irregular, são oferecidos de acessórios para celular a produtos de beleza, roupa e comida.

Desde o início da pandemia causada pelo Covid-19, a aglomeração típica da feira tem se tornado um risco aos moradores de Acari e aos comerciantes. No bairro, também está localizado o hospital o Hospital Ronaldo Gazolla, referência no município para casos de internação para o coronavírus, que tinha 117 casos confirmados de Covid-19 até este domingo (12).

A vendedora Josiane de Oliveira, de 36 anos, diz que costuma ir à feira popular para complementar a renda. Moradora de Acari, ela trabalha durante a semana na Ceasa (Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro), com a venda de doces. Neste domingo (12), estava em Acari vendendo frascos de álcool em gel. Depois de duas e horas e meia de trabalho, já tinha vendido, por R$ 25, 6 das 8 garrafas de 700 ml. Segundo Josiane, a renda a ajudaria a comprar chocolate de Páscoa e fraldas para os filhos.

Mãe de três crianças, entre eles um bebê, Josiane diz que faz de tudo para não levar o vírus pra casa, onde também vive o marido.Com uma garrafa de álcool na bolsa, limpava as mãos entre uma venda e outra.

Beneficiária do Bolsa Família, ela espera o auxílio emergencial disponibilizado pelo governo federal, mas ainda sim não vai parar de trabalhar. "O movimento no Ceasa já não é mais o mesmo", diz ela, que terminava o dia com R$ 80 antes da epidemia e, agora, fica com R$50.

"Não tem como manter a quarentena e parar de trabalhar, como que eu vou viver? Meu esposo vende doce no sinal e não está indo porque já não passa mais carro. O Ceasa ainda é o único lugar que ainda tem movimento e eu posso trabalhar."

Morador de Bangu, na zona oeste da cidade, Lucas Rodrigues, 28, trabalha numa barraca de pastel e caldo de cana há três anos. Segundo ele, as vendas caíram 60% desde o início da pandemia –os 200 pastéis vendidos por domingo agora não passam de 80. Lucas já se cadastrou no auxílio emergencial do governo federal, mas diz que seu processo ainda está em análise.

"Eu não tenho medo do vírus porque a quantidade de notícias falsas na internet é muito grande. Eu acredito que tenha a doença, mas não acredito que seja tão grande quando a mídia coloca", diz Lucas, que trabalhou durante todo o dia sem nenhum tipo de equipamento de proteção, como máscaras, nem uso de álcoo em gel.

"Meu medo é porque colegas de trabalho já perderam maquinário [de moer cana], eles estavam trabalhando e os guardas municipais levaram o equipamento porque não podia trabalhar na rua", afirma ele, que critica a determinação do fechamento do comércio.

A pandemia também atingiu a estrutura da feira de Acari. Segundo funcionários da empresa DTA, responsável pela montagem das barracas, eram necessárias 400 unidades de madeira e lona –levadas em dois caminhões– para atender os comerciantes do mercado antes da pandemia.

Agora, com apenas um caminhão, a DTA consegue transportar as 200 barracas que estão sendo erguidas no calçadão do metrô. O trabalho, que antes começava às 20h do sábado, agora começa às 2h do próprio domingo, com metade dos funcionários (cinco, em vez de dez).

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