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Witzel recebia propinas desde o tempo de juiz

Por José Aparecido Miguel

A denúncia do empresário Edson Torres, apontado como operador do pastor Everado Pereira, presidente nacional do PSC, que declarou seu depoimento como “voluntário e espontâneo”, contra o governador afastado do Rio, Wilson Witzel, é demolidora. Antes mesmo de sua descompatibilização e, portanto, de chegar ao cargo, Witzel recebeu, enquanto juiz federal, nada menos de R$ 980 mil para, segundo Torres, se manter por dois anos, caso perdesse a eleição.

O esquema denunciado vai além de 1 milhão de reais. A suspeita é de que o governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia de sua mulher, Helena Witzel, pelo menos R$ 554,2 mil em propina. O Ministério Público Federal (MPF) descobriu transferência de R$ 74 mil de Helena Witzel para a conta pessoal do governador.

A Procuradoria Geral da República (PGR) chegou a pedir prisão de Witzel em operação no fim de agosto; o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou apenas afastamento do cargo.

O documento é assinado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo. “Nesse diapasão, a organização criminosa, somente com o esquema ilícito de contratação de organizações sociais na área de saúde, tinha por pretensão angariar quase R$ 400 milhões de valores ilícitos, ao final de quatro anos, na medida em que objetivava cobrar 5% de propina de todos os contratos”, diz a denúncia.

A declaração de Edson Torres, revelando o conjunto da operação de ataques aos recursos públicos, com destaque para a área de saúde, em plena pandemia de coronavírus. foi colhida na Operação Tris in Idem, deflagrada no dia 28 de agosto e que levou ao afastamento do governador, denunciado como chefe de organização criminosa.
Torres detalha até a divisão dos valores de propinas conseguidas pelo grupo, que distribuídas na seguinte proporção: 30% para Edmar Santos (ex-secretário da Saúde, preso), 20% para Wilson Witzel, 20% para pastor Everaldo (preso), 15% para o próprio Edson Torres e outros 15% para o doleiro Victor Hugo Barroso.

A denúncia contra Witzel envolve mais 11 pessoas, incluindo a primeira-dama Helena Witzel. Foram denunciados também:

- pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC;
- Edmar Santos, ex-secretário de Saúde;
- Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico;
- Gothardo Netto, ex-prefeito de Volta Redonda;
- Edson Torres, empresário;
- Victor Hugo Barroso, doleiro;
- Nilo Francisco da Silva Filho;
- Cláudio Marcelo Santos Silva;
- José Carlos de Melo;
- Carlos Frederico Loretti da Silveira.

O noticiário revela que o governador Wilson Witzel como chefe de uma organização criminosa lastreada em três pilares: o primeiro grupo seria encabeçado pelo empresário Mario Peixoto; o segundo, pelo pastor Everaldo, Edson Torres e Victor Hugo Barroso; e, por fim, o terceiro grupo seria comandado por José Carlos de Melo. Além da condenação penal, o MP pede que Wilson Witzel perca o cargo de governador do Rio em definitivo. Também quer que os denunciados sejam condenados a pagar indenização de, no mínimo, R$ 100 milhões.

Todos, obviamente, negam as acusações.

O que se sabe é que a PGR considera que o governo do RJ estabeleceu um esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de Saúde e Educação. A descoberta do esquema criminoso teve início com a apuração de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha, respiradores e medicamentos para o enfrentamento da pandemia do coronavírus.

Trechos da oitiva de Edson Torres foram incluídos na denúncia apresentada pela PGR nesta segunda, 14, contra Witzel por organização criminosa. O presidente do PSC, pastor Everaldo, teve a prisão preventiva decretada no último dia 5 e o governador foi afastado do cargo. Witzel planejava entrar no governo desde 2017. O relato de Torres descreve que, quando Witzel ainda era juiz, ele teria se encontrado com Everaldo na sede do PSC no Rio e informado do desejo de ser candidato ao governo do Estado. Poucos empresários, no início, endossaram uma campanha de Witzel, incluindo Mário Peixoto, que viria a ser preso pela Lava Jato por desvios na área da saúde na gestão do ex-juiz. Um dos que aceitaram a proposta de apoiar Witzel foi Victor Hugo, apontado como operador financeiro de Everaldo.

Foram arrecadados então os já citados R$ 980 mil, pagos em parcelas de R$ 150 mil por mês, entregues ao pastor Everaldo, ao ex-secretário Lucas Tristão e, na última ocasião, ao próprio Wilson Witzel, em abril de 2018. Edson Torres disse que abriu a pasta, retirou os maços de dinheiro de R$ 50 mil e entregou ao pastor Everaldo, que repassou a Witzel, que colocou em uma bolsa que estava levando”. “Não foi negociado naquela época a participação de cada empresário em contratos porque isso não precisava ser negociado, já estava implícito no acordo de lançamento da candidatura”, disse Torres.

Com a vitória de Witzel, o grupo de ataque ao dinheiro público ‘fatiou as secretarias e estatais com o escopo de ter retorno econômico’, o que incluiu, por exemplo, as indicações de Hélio Cabral para a presidência da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) e Edmar Santos para a Secretaria de Saúde.

A Everaldo cabia comandar o orçamento das pastas, suas contratações, distribuição de cargos e até pagamentos a prestadores de serviço e repasses a municípios, Witzel direcionava recursos públicos para receber propinas, que eram lavadas por meio do escritório de advocacia da primeira-dama, Helena. Ambos foram denunciados como membros do ‘núcleo político’ da organização criminosa.

O papel do pastor

No documento apresentado ao STJ, também consta denúncia contra o presidente do partido de Witzel, Pastor Everaldo, apresentado pela PGR como “veterano da corrupção”, segundo a coluna Radar, de Veja. Em seu depoimento, Torres narra — entre uma série de passagens sobre a política fluminense — a influência do presidente do PSC desde os anos 1990 sobre a companhia de águas do Rio, a Cedae.

Nas palavras do empresário, o cacique usa a empresa pública “como instrumento próprio para exercício de poder, loteamento de cargos e uso do orçamento em benefício próprio desde a década de 90, ao lado de Eduardo Cunha”.

A denúncia afirma que o presidente do PSC, partido de Witzel, é quem detém o comando do gigantesco orçamento da pasta da Saúde, além de Cedae e Detran, recebendo 20% do caixa único formado pelos recursos recebidos ilicitamente pela organização criminosa.

Segundo a PGR, Everaldo, ao lado do filho Filipe Pereira “vem atuando até os dias atuais não apenas no recebimento de vantagens indevidas, mas também na obstrução das investigações”, tendo feito uma tentativa de “alinhar discurso” com o ex-secretário de Saúde Edmar Santos — que foi preso e virou delator — “para criar uma versão que justificasse os atos ilícitos praticados pelo grupo”. Reforce-se que todos os denunciados, obviamente, negam as acusações.

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