Por:

"Eu não posso me acomodar com 78 anos”

Por Cláudio Magnavita*


Preta, favelada e do povo. Esta é Benedita Sousa da Silva Sampaio, carinhosamente conhecida como Bené. Depois de ser professora, auxiliar de enfermagem e assistente social, ela se tornou uma das políticas brasileiras mais influentes do estado fluminense. Benedita foi a 59ª governadora do Rio de Janeiro, após substituir, em 2002, o então governador Anthony Garotinho. Aos 78 anos, a deputada federal vem como candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) para a Prefeitura do Rio. O CORREIO DA MANHÃ entrevistou a candidata para entender o que pensa e como irá agir a representante do PT.

Correio da Manhã: O que a leva, depois de uma carreira vitoriosa, e, principalmente, com uma carreira política que inclui o cargo de governadora do Estado, a se candidatar à Prefeitura da capital?

Benedita da Silva: Primeiro, eu sempre armazenei esse sonho. Em 1992, era candidata e cheguei ao segundo turno, mas não fui eleita. O tempo passou, enveredei realmente pelo Legislativo, onde fiquei, passei pelo Executivo e vice-versa. Agora o Partido dos Trabalhadores tem um desafio pela frente que são as eleições municipais. O PT tomou como estratégia ter alianças em algumas capitais, e, em outras, disputar nas cabeças. E foi o que aconteceu no Rio de Janeiro. Primeiro, o PT estava conversando com o PSOL, eu viria como vice, mas não avançamos nessas conversas e eu acabei terminando candidata do partido.

CM: Esta entrevista ocorre em uma semana na qual o governador Witzel sofre a abertura do processo de Impeachment, confirmada na Alerj. E você chega à campanha como a única ocupante, você e o Dornelles, aliás, ocupantes do Palácio Guanabara que não foram presos. Como você se sente sendo uma ex-governadora que assumiu e efetivamente nunca esteve envolvida em escândalos e jamais passou uma noite sequer presa?

BS: Eu lamento esta situação. Foram eleitos pela população do estado do Rio de Janeiro, mas neste momento eu vejo que está na mão da justiça, que vem realmente investigando. Todos eles têm direito de defesa, evidente, e vamos aguardar os acontecimentos. É lamentável que essas coisas tenham acontecido, mas aconteceram. Agora é olhar para frente e trabalhar muito.

CM: Por que, quando você foi governadora, foi diferente? Fale desse processo de sedução e até de corrupção para quem está à frente de um governo de um estado como o Rio. Por que você saiu limpa desse processo? É uma questão de índole? Qual a receita de sair ilesa de um processo desse?

BS: Eu estava muito focada, como sempre estive, nas minhas ideias. E elas não me deram nenhum espaço ou oportunidade para estar diante de qualquer tipo de articulação, de negociação que não fosse realmente organizar o Estado. Pegamos um desafio muito grande. Aconteceram coisas naqueles nove meses, foram coisas muito sérias. Teve a prisão do Elias Maluco, tivemos uma rebelião na prisão. Quer dizer, tudo aconteceu. Então, eu estava focada realmente nessa situação, e nunca me sentei absolutamente com ninguém para que tivessem alguma facilidade na execução dos seus acordos feitos com o Estado.

CM: Gostaria de falar agora do lado feminino da campanha. Nesta série de entrevistas para o Correio da Manhã começamos conversando com as mulheres candidatas. Temos agora quatro candidatas à Prefeitura do Rio. Está na hora do Rio ter uma prefeita?

BS: Mais do que na hora. Muito mais do que na hora. O Rio já foi governado pelos homens, agora vamos governar com as mulheres. Eu penso que nós temos responsabilidade, temos inteligência, qualificação, experiência e podemos perfeitamente governar nossa cidade, debater com todos os segmentos a cidade que nós queremos. Ter uma política acolhedora, de paz entre as pessoas, não ter essa cidade partida como a gente sempre fala, buscar ajudar também aos menos favorecidos para que a cidade entre em um equilíbrio. Nós estamos na pandemia, e ela vai deixar grandes desafios. Aquilo que antes não estava bom, piorou. E os desafios estão aí colocados em várias áreas para a gente atuar.

CM: Queria que você falasse agora sobre esse tipo de campanha na pandemia, por que você é uma batalhadora, suas campanhas sempre foram com muita sola de sapato, ir às comunidades, abraçando e estando ao lado da base. Como é fazer uma campanha em pleno período de pandemia?

BS: Olha, estamos trabalhando de forma remota até em razão da Câmara, que também está remota. Eu tenho 78 anos, então há todo o cuidado de fazer essa campanha, neste primeiro momento, totalmente digital, sem nenhuma aproximação. Haverá um momento em que teremos de fazer algumas presenciais. Já estamos cuidando de fazer algumas presenciais com segurança, tanto das pessoas quanto nossa.

CM: No quadro sucessório, a única entre os candidatos a ser uma pessoa de base, de comunidade e de raízes populares é você. Isso é uma vantagem ou uma desvantagem ao lutar contra essa elite instalada na política fluminense?

BS: Quando eu digo “uma cidade acolhedora” é porque estamos vivendo situações difíceis na nossa cidade, e é preciso equilibrar. Eu quero convocar essa cidade. Eu quero convocar essa elite que tem responsabilidade também com o número de desempregados, o número de famílias inteiras que estão dormindo pelo meio da rua. Precisamos de uma cidade acolhedora. Para isso precisamos abrir mão dos nossos privilégios, porque eu, por exemplo, tenho privilégios: tenho uma casa, tenho um trabalho, tenho comida na mesa. Se eu não for solidária com isso, assistindo ao que nós estamos assistindo, então para que ser prefeita da cidade?

CM: Então podemos dizer que seu governo poderia girar em cima do emprego da população?

BS: Eu quero ser prefeita da cidade para gerar empregos, para trabalhar com a população mais vulnerável, deixando que essa população possa também ter, como todos nós temos, uma moradia decente, escolas, creches, porque são pessoas que trabalham com a gente. Elas trabalham na casa da gente, trabalham no comércio onde nós compramos, trabalham nos hospitais aonde nós vamos, nas escolas onde nossos filhos estudam. Então é importante que essas pessoas também cresçam, porque crescendo essas pessoas, todos nós vamos ganhar na cidade do Rio. Eu tenho esse olhar.

CM: Você está com 78 anos com uma vitalidade incrível. O que a leva a abraçar uma jornada dessa? Por que esta é uma hora em que as pessoas querem cuidar dos netos, e até dos bisnetos. O que motiva essa força política sua?

BS: É o seguinte: eu vim da favela, estou há 57 anos morando no estado do Rio de Janeiro. Fui vereadora, eleita várias vezes, em vários momentos. Então a situação é extremamente difícil. Eu não posso me acomodar com 78 anos diante de pessoas que têm a minha idade e parecem muito mais envelhecidas do que eu. Pessoas que são mais novas do que eu parecem mais velhas. Por quê? Por causa dessa vida, dos maus-tratos, dos descasos. Eu quero cuidar da minha cidade. Eu quero cuidar também dessas pessoas. Não ficaria bem se eu fosse pra casa comer e não tivesse como ajudar aos outros a comerem também. Então não tenho como dar comida a todo mundo, mas eu tenho como fazer com que essas pessoas sejam protegidas, que essas pessoas possam comer, almoçar, jantar, que elas possam ter decentemente um lugar para ficar. E que elas possam trabalhar para comerem com o suor dos rostos delas. Ela trabalha, ela compra e é preciso que a gente faça isso.

CM: Você não acha que já deu sua contribuição ao Rio?

BS: Eu tenho que ser cada vez mais útil à cidade. Às vezes eu falo: “ah, agora vou curtir meus netos, depois os bisnetos...”, mas as coisas deram para trás. Eu tenho visto que as coisas deram para trás, e estou oferecendo o que resta das minhas energias para essa juventude que está aí. Uma juventude maravilhosa que tem desafios grandes pela frente. Eu quero estar junto com eles pelo menos nessa caminhada na prefeitura.

CM: Uma juventude que precisa de exemplos. Eu queria colocar um outro exemplo também de retribuição à comunidade que é dada em São Paulo por outra guerreira, a Luiza Erundina. Como é que você vê esse papel seu e da Erundina, nas duas maiores cidades do país?

BS: Pois é, é uma questão de consciência, sabe? Acredito que nem eu e nem a Erundina iríamos para casa confortavelmente, sabendo que poderíamos ainda dar um pouco de nós. Que não é muito, mas é um pouco de nós com um pouco dos outros para, coletivamente, mudarmos o rumo da cidade. Ainda mais quando se tem uma experiência como a da Erundina, prefeita da cidade de São Paulo. Eu aqui fui vice-governadora, depois governadora por nove meses. Fizemos muita coisa na cidade, para a nossa juventude. Depois do governo do Lula e com o governo da Dilma, tivemos muitos recursos para o estado, mas muitos recursos. Muitos mesmo! Então, a gente quer colocar também a nossa experiência a serviço da nossa cidade.

CM: Tentam demonizar muito a questão do PT, mas temos aqui no Rio um momento de unidade do Legislativo, que conta na presidência um político que é do PT. Estou falando do André Ceciliano. Como você vê o parlamentar, a importância de ter uma Alerj unida e ter um colega seu de partido, comandando uma das páginas mais bonitas do Legislativo estadual?

BS: É, isso é muito importante. Quando nós sabemos que para ser presidente de uma Casa Legislativa, tem que ser uma pessoa que articule, que tenha compreensão e que entenda o plural. Não que entenda um lado ou entenda somente o outro. Mas ali ele tem mantido esse equilíbrio, tem respeitado a representação de cada um dos partidos, tem dialogado na Casa, e tem feito algumas votações de muita unidade, e tem conseguido, é claro, se manter na presidência da Câmara mostrando do que ela é capaz de fazer para o Estado do Rio.

CM: Já que falamos da demonização do PT, essa eleição municipal tem uma importância fundamental para a sigla, para o seu reposicionamento. Você acha que esse pleito mostrará que o partido já fez a mea-culpa com relação aos problemas que já ocorreram com o PT, Lava-jato, etc?

BS: O que aconteceu com o PT e as coisas que vêm acontecendo neste país, nós temos tido grandes momentos de dialogar com a população brasileira, com os processos que estão sendo anulados. Não estão anulados por conchavo, não estão anulados porque Lula ou Dilma chegaram lá e conversaram, não. Nunca se deram a isso, sempre fortaleceram as instâncias, sempre foi com a independência durante o tempo que os dois estiveram governando este país. Toda a liberdade foi dada, e fortaleceu muito o Ministério Público. E foi criado um outro tipo de relação, na qual o comandante geral, que é o presidente, nunca ao Supremo para pedir ou evitar alguma coisa, nunca evitou que a imprensa publicasse o que ela quisesse, não governou com autoritarismo, sempre foi democrático. E agora estamos vivendo um momento em que a população está acompanhando o resultado de todo aquele processo da Lava-Jato, está acompanhando a postura de cada um que julgou o Lula e nossos companheiros do PT, que, por sinal. todos eles estão praticamente com suas sentenças anuladas.

CM: Você tem uma atuação muito forte na frente da Comissão de Cultura da Câmara. A Cultura é algo lhe diz muito a respeito. Quais são os planos da prefeita Benedita para a cultura do Rio de Janeiro na sua gestão?

BS: A cultura sofreu muito. Antes da pandemia, e quando veio a covid-19, ela foi a primeira a parar suas atividades. Os artistas que aparecem na televisão e nas telas do cinema são minoria diante de mais de 50 mil trabalhadores de cultura no Rio de Janeiro. Então foi preciso fazer a Lei Aldir Blanc para que essas pessoas recebessem esses recursos emergenciais, para cuidarem da vida, porque teve gente que fechou teatro, fechou cinema, não tinha público. Deixou de pagar aluguel, energia, todas essas coisas que quem é da produção conhece muito bem.

CM: De fato então essa lei veio em boa hora?

BS: Foi preciso pedir realmente que eles tenham, no mínimo, os R$ 600 para alguns e R$1.200 para outros, e até R$ 10.000, que eram as questões dos espaços, para poderem ocupar com algumas atividades. Então esse foi o espírito do projeto. Hoje, alguns estão ainda esperando que haja esse repasse. Os recursos já estão alocados porque já eram do fundo da Cultura, e agora estamos atendendo às burocracias para que eles possam receber. Mediante isso, o Rio de Janeiro tem um corredor cultural muito grande, e não é só no seu centro. Foram loteadas várias lonas culturais pelo Rio inteiro, pela Zona Oeste. Nós queremos ver de fato as atividades de cinema, que praticamente não existem. Tem circo, tem as lonas culturais, e tem uma das coisas que traz muito recurso para a cidade, e que recentemente, não só por conta da pandemia, sofreu uma baixa, que são as escolas de samba. As escolas de samba não são apenas entretenimento, elas geram muitos empregos durante todo o ano.

CM: Então o que podemos esperar do seu governo em relação à cultura?

BS: Quero criar uma agenda cultural da cidade, onde você também possa fazer o turismo. Todo mundo quer conhecer o Rio de Janeiro. É na Paraíba, em Minas... Eu quero estimular e incentivar isso. O turismo nacional, claro que tem o internacional, mas o nacional será muito importante. E para isso é preciso que tenhamos a cultura e a efervescência, e é o que não falta para o Rio de Janeiro, principalmente advindo das favelas. Não são apenas as escolas de samba que vêm de lá. Nós temos uma juventude muito criativa, que trabalha com arte, dança, música e outras coisas mais. Inclusive essa área, a de produção digital e audiovisual, é de muito interesse da nossa cidade e da nossa juventude.

CM: Você que já foi governadora e já conhece a questão da Segurança Pública. Sendo eleita, como você acha que a Prefeitura pode ajudar o Governo na questão da Segurança Pública, que é um dos temas mais puxados do Rio de Janeiro como um todo?

BS: A cidade precisa fazer uso das suas ações e de inclusão. É importante haver atividade para a juventude, ter empregos para a juventude. Linguagens de diferentes modalidades. Você precisa levar serviços para as favelas. A Cedae, por exemplo, não tem subido aos morros. Nós queremos que ela suba aos morros, é preciso cumprir os acordos que existem. Mesmo estando na responsabilidade do Estado, cabe a fiscalização, cabe exigir que haja saneamento nesses lugares. Muitas vezes falamos da segurança, mas não falamos da segurança pessoal dessas pessoas. Queremos interagir com essas ações de inclusão. E também ver a questão da iluminação, onde é preciso que a gente comece a deixar a cidade, como também as comunidades, mais visível, principalmente o que acontece durante a noite. Você passa em alguns lugares, e aquilo está uma escuridão total. E a Prefeitura pode trabalhar perfeitamente nessa linha. E também a Prefeitura, com sua Guarda Municipal, pode prestar um grande serviço de cidadania, de ser vigilante das praças, para que as pessoas possam ter suas atividades, que elas podem colaborar também com o braço do turismo, estando mais informadas da cidade.

CM: Como você pensa em usar a Guarda Municipal?

NS: Não quero a Guarda Municipal correndo atrás de camelô. A gente tem que regulamentar, colocar ordem na cidade, é regulamentar, registrar, saber o que é o ponto, o que vende, como vende, aonde está, isso tudo traz segurança. A mobilidade urbana também traz segurança. Agora no que diz respeito à segurança armada, estaremos colocando isso junto ao Estado, que tem o papel de dar essa segurança. A Prefeitura não vai se isentar de estar fazendo sua parte de ajudar as comunidades para não precisarem ficar assustadas, onde entram atirando e perguntam depois, com tantos assassinatos e balas perdidas. Então a Prefeitura tem o direito de ir junto ao Estado pedir proteção para as pessoas, pois as pessoas que moram nas favelas também são pessoas que moram na cidade, e é preciso que se dê essa cobertura.

*Claudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.