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'A sensação é de dever cumprido'

Por Cláudio Magnavita

Natural de Barra do Pirai, Eduardo Gussem tem mais de 27 anos de atuação no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ). Ele ingressou na Instituição em 1993 e atuou, por 15 anos, em Comarcas de Juízo único, no Tribunal do Júri e em Promotoria de Justiça de Execução Penal. Exerceu, por 11 anos, cargos na administração, sendo coordenador de Movimentação de Primeiro Grau, secretário-geral do Ministério Público, presidente da Associação dos Membros do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, subprocurador-geral de Administração e subprocurador-geral de Planejamento. Assumiu função de procurador-geral de Justiça do MP-RJ em 2017, sendo reconduzido ao cargo em 2019. Nesta entrevista, faz um balanço do trabalho nos quatro anos à frente do MP-RJ.

Cláudio Magnavita: Vamos fazer um balanço desses quatro anos à frente do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) tendo você como procurador geral.

Eduardo Gussem: Foram anos intensos. Tivemos vários episódios no nosso estado, como o regime de recuperação fiscal, intervenção federal e agora, no último ano de 2020, a pandemia. Então, obviamente, esses episódios mexem muito com toda a casa, toda a estrutura, e nós temos que nos readequar a cada momento.

CM: Em relação à pandemia, que ensinamento fica para você, que comandou o MP em um momento tão complicado?

EG: É um aprendizado muito grande. A pandemia veio em março, de forma surpreendente. Não estávamos preparados para isso, mas, de qualquer forma, já através do nosso planejamento estratégico, tínhamos elegido MPRJ digital como linha diretriz a ser seguida, o que facilitou muito a nossa adequação. Os promotores estavam, em março mesmo, recebendo novos notebooks. Plataformas digitais estavam sendo entregues como um sistema de atuação que é o Integra MPRJ. Hoje, nós temos hoje o Integra Judicial, o Integra Extra-Judicial e outro sistema, o Integra Policial, que roda os inquéritos policiais.

CM: Em termos de legado da sua gestão, o que fica do Eduardo Gussem para o MP?

Algo que eu tenho muito orgulho é de ter trabalhado com todos os segmentos da classe. Então, nós não setorizamos e não segregamos. Eu procurei conciliar e trazer todas as correntes políticas para a minha administração. Procuramos trabalhar com os melhores profissionais, o que acho que deu um dinamismo para a administração muito grande.

CM: Você foi procurador geral por quatro anos, seguiu a praxe de ser o primeiro votado e depois foi reeleito por aclamação e reconhecimento pelo seu trabalho. O que você tem de percepção de legado? Qual contribuição da marca que você pode deixar para o MP, que era desejo seu e você conseguiu deixar, em termos de ferramentas, de instrumentalização para os seus colegas?

EG: Acho que, acima de tudo, essa modernização da estrutura, tanto da carreira do MP, porque acho que fizemos transformações, como a criação das promotorias de justiça de região especial. Os promotores ficavam muito represados no interior e nós trouxemos para a classe intermediaria da carreira 80 cargos, aproximadamente. Isso trouxe um dinamismo maior. Depois fizemos, nessa classe intermediaria da carreira, uma reengenharia das centrais de inquéritos, o que gerou um dinamismo muito grande e, agora, por fim, em um segundo grau, na classe final da carreira, fizemos uma nova reengenharia das procuradorias civis, o que faz com que a gente mexa em aproximadamente 20 cargos. Ou seja, no total, foram cerca de 130, 140 cargos que reestruturaram a carreira, o que é muito importante. E acima de tudo é essa modernização. A modernização do MP e a integração do MP com as outras instituições, especialmente com o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TC-RJ) e com o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM-RJ).

CM: Um espelho do MP é a Defensoria Pública. Alias, você se despede do defensor. Como foi essa sua relação com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro?

EG: Foi muito boa, não só com os outros órgãos, mas também com a Defensoria, sempre muito republicana. Sempre que havia convergência temática, nós procurávamos agir em conjunto.

CM: Na sua gestão, o Rio foi epicentro de vários movimentos na área da Procuradoria Geral da República (PGR), em termos de investigação. Como é que foi essa relação com a esfera federal?

EG: Olha, o relacionamento com o procurador Augusto Aras foi muito direto, muito franco e eu não tenho maiores problemas. Obviamente, é de domínio público que com a Raquel Dodge, nós tivemos enfrentamentos. No caso Marielle e Anderson, ela tentou a federalização, nós recorremos, fomos ao STJ, e o deslocamento de competência não foi conhecido. Outras questões também, como o compartilhamento de provas com o Google. Toda essa parte tecnológica, na ocasião, a PGR resistiu, opinou contrariamente e o STJ, mais uma vez, validou a posição do MP-RJ, por unanimidade.

CM: Você encerra esse ciclo tendo o ex-procurador como o presidente do STF, o Luiz Fux. Como você vê um carioca como presidente?

EG: Com grande orgulho. O ministro Fux tem uma carreira brilhante nos sistema de justiça. Ele percorreu, praticamente, todas as escalas, todas as estruturas, e, hoje, à frente do Supremo Tribunal Federal, ele, para nós, do Rio de Janeiro, nos enche de orgulho.

CM: Eu queria falar de aprendizado. O Gussem que tomou posse é o mesmo que encerra? Como foi de aprendizado e aprimoramento pessoal nesses quatro anos?

EG: De forma alguma, acho que, acima de tudo, resiliência é algo que foi muito dito para mim no ano em que eu assumi. Eu me lembro que quando tomei posse, recebi muitas mensagens aconselhando que tivesse serenidade. E foi como procurei conduzir esses dois mandatos, nesses quatro anos. Com resiliência e com serenidade.

CM: E o aspecto pessoal? Qual a sua leitura hoje, na função de procurador- geral de Justiça, é a mesma que você tinha antes de ter vivenciado quatro anos?

EG: Não, a cobrança é muito grande. O procurador de Justiça, se não tiver muito equilíbrio, cuidado: ele tem a possibilidade de gerar um desconforto nas próprias estruturas políticas do estado. Então é necessário que aja sempre, com muita técnica, muito rigor, mas também com equilíbrio necessário de forças.

CM: Você foi muito elogiado na sua postura de distanciamento na questão sucessória. Explique essa postura sua ao processo eleitoral do seu sucessor.

EG: Eu sempre disse que nos meus mandatos, eu não tive nenhum movimento de sistemático dentro da instituição. Isso significa que os colegas respeitaram os meus mandatos. No processo de recondução, vim como candidato único, e obtive quase 90%, 94% de aprovação. Então eu não senti vontade. Todos sabem que meu voto foi no meu chefe de gabinete, Dr. Virgílio Stavridis. Procurei manter a neutralidade e funcionar como verdadeiro magistrado nesse processo.

CM: A instituição está muito fortalecida, não é?

EG: Acredito que sim, a instituição cumpriu com seu papel institucional, sempre com muita ética, cuidado e, acima de tudo, muita discrição, muita reserva.

CM: Queria uma palavra sua sobre o seu sucessor.

EG: A carreira do Luciano fala por si. Ele foi servidor do MP, promotor de justiça com uma atuação intensa em Cabo Frio, na Associação do MP em defesa de nossas prerrogativas e, agora, mais uma vez, como promotor de justiça da tutela coletiva de Niterói, onde teve importantes enfrentamentos. Acho que com esse currículo, com essa experiência, ele senta na cadeira de procurador-geral com total condição de fazer um trabalho brilhante.

CM: Dever cumprido?

EG: Acho que sim, dei minha contribuição. É óbvio que sempre tem muito a aperfeiçoar, melhorar, mas acho que dentro do que estava ao meu alcance nesses quatro anos, nesses dois mandatos, me sinto honrado com o cargo, com a responsabilidade e com a confiança da classe e, por consequência da sociedade, acho que cumpri a minha missão.

CM: Gussem por Gussem, como é que você se analisa? Olhando no espelho como é que você vê?

EG: Magnavita, eu sou uma pessoa de interior, tenho hábitos simples e eu trago isso para minha vida, sempre procurando respeitar todos os segmentos. Eu me sentei nessa cadeira sem ter amigos, sem ter inimigos, sem bandeiras, sem coloração partidária. Procurei sempre agir com serenidade, resiliência, técnica e com discrição.

CM: Nessa reta final você teve Covid. Surge alguma reflexão da vida no momento que você leva um atestado positivo de covid?

EG: Foi um susto, eu tenho asma e a doença atingiu as minhas vias respiratórias. Hoje, estou convalescendo de uma fadiga respiratória. Esse processo ainda vai levar uns um ou dois meses. Obviamente, a gente acaba repensando algumas questões. Mas vamos ver o que virá.

CM: No processo sucessório, uma coisa emblemática que motivou muito foi Marfan Vieira, recém-saído do Covid, ter ido lá levar para o governador, de ambulância e de cadeira de rodas, a Lista Tríplice. Isso foi uma demonstração de amor ao Ministério Público?

EG: Para todos nós, e vou além, para o Ministério Público Brasileiro, Marfan é um ícone. Não é à toa que ele é o único ex-procurador geral que integra o grupo de Procuradores Gerais da Justiça, ou seja, ele é o único que ainda integra um grupo de Whatsapp de procuradores gerais da Justiça. É uma referência nacional, a ida dele lá foi simbólica, na condição de subprocurador-geral de Justiça de Relações Institucionais. Ele, ao ser indagado sobre isso, falou que gostaria muito e que aceitaria e que assim o faria. Você tomou conhecimento e deu em primeira mão essa nota, e acho que fez justiça ao sistema de Justiça do nosso país. Não é por ser meu amigo ou ter me prestigiado como me prestigiou, mas é realmente o que ele representa para a Justiça.

CM: Para encerrarmos, você, que tem um grande amor pelo Rio, como vê o futuro do nosso estado?

EG: Eu vejo sempre com otimismo. Eu sou adepto de uma linha de governos digitais, de serviços digitais em uma linha que contempla transparência, integridade, participação popular, tecnologia e inovação. Acho que com os governos abertos, nos temos como dar maior transparência à gestão publica. O nosso grande problema tem sido as sucessivas gestões públicas negativas. O governador Cláudio Castro sinaliza nessas práticas modernas, e eu acredito que, nesse caminho. podemos mudar essa visão negativa.

CM: Para finalizar, deixe uma mensagem para os nossos leitores.

EG: Eu só devo um agradecimento pela confiança e o carinho com que sempre você me tratou. Aos leitores do Correio, o próprio jornal se intitula como o primeiro a dar as notícias. De fato, é lá que vejo as primeiras notícias. Então, parabéns ao seu trabalho, Magnavita, e parabéns por informar com tanta exatidão as questões tão relevantes e sensíveis para o estado do Rio de Janeiro.

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