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Crise deixa Cabral com água pelo pescoço

Por Emanuel Alencar
Especial para o Correio da Manhã

A crise da água no Rio, que se arrasta há quase duas semanas, cobrou sua primeira fatura na terça-feira, com a exoneração do engenheiro Júlio César Antunes da chefia da Estação de Tratamento (ETA) Guandu. Irritado, o governador quebrou o longo silêncio e foi às redes sociais reclamar do episódio. A decisão foi o rompimento do “elo mais fraco”, já que o diretor de Saneamento e Grande Operação, Marcos Abi-Ramia Chimelli, segue no cargo.
Com mais de 30 anos de casa, o castigo ao ex-chefe da estação que distribui água para mais de nove milhões de pessoas, anunciado com exclusividade pelo CORREIO DA MANHÃ, deve provocar ainda mais ebulição numa empresa que vive turbulências desde o início de 2019, quando foram exonerados 54 profissionais de nível superior.
- A demissão do Júlio é mais uma forma de culpabilizar o trabalhador da Cedae. Um profissional competente e engajado. Eles jogam de novo nas costas do trabalhador a inexpertise da direção, com gente que não entende nada de saneamento. É um jogo de cartas marcadas com o objetivo de privatizar a companhia - critica o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto de Niterói, Ary Girota.
As águas turvas e com cheiro e gosto de terra chegaram com força na Zona Sul do Rio e provocaram fortes reações na Câmara dos Vereadores e na Assembleia Legislativa. A vereadora Vera Lins (Progressistas) informou que vai pedir, após o fim do recesso, a abertura de uma CPI para investigar o ocorrido. Na Alerj, o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) subiu o tom na quarta-feira (15), ao pedir a queda do presidente da Cedae, Hélio Cabral, que ocupa o cargo por influência do Pastor Everaldo, presidente do PSC, partido do governador Wilson Witzel.
“O governador do TJ, em respeito à população, deveria demitir o incompetente e omisso presidente da Cedae e cobrar solução mitigadora, urgente, para o risco que vive o consumidor com a falta de qualidade da água”, escreveu em sua conta no Twitter.

PROBLEMA DEVE DURAR
A resposta paliativa da Cedae para minimizar o problema é uma combinação de uso de uma argila especial com carvão ativado em lagoas e rios que precedem a captação de águas da ETA Guandu. Algo inédito, segundo especialistas ouvidos pelo CORREIO DA MANHÃ.
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) já autorizou o uso da argila, segundo informou o “Blog do Berta”. A Cedae vai pagar R$ 5,5 milhões pelo serviço emergencial da empresa Hydroscience Consultoria Ambiental. Quanto uso ao carvão, a Cedae não precisa pedir autorização do órgão ambiental. A ideia é reter a geosmina, composto organoclorado resultante do rompimento de células de bactérias do gênero Anabaena. A substância, diz a Cedae, está causando forte odor e gosto estranho na água de mais de 40 bairros.
Em inspeção do Ministério Público na última segunda-feira (13) em Guandu, a companhia negou ter verificado alterações na turbidez e na potabilidade da água. O Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), do MP, solicitou que a Cedae apresentasse até a quarta-feira a lista dos 70 indicadores da portaria 5 do Ministério da Saúde, que detalha o controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.
O imbróglio, segundo o engenheiro químico Gandhi Giordano, professor da Uerj, ainda deve render alguns capítulos. Ele lembra que a retirada da geosmina não ocorre de forma automática.
- Ninguém tem condições de falar sobre quanto o tempo o gosto e cheiro vão continuar - disse. - Esse fenômeno de floração de algas ocorre muito rapidamente. Saiu do controle e estão tentando ajustar. Quando fui à ETA (dia 13) estava saindo normal de turbidez e cor. O uso de carvão e argila não cura a doença, mas consegue manter o doente um tempo. A solução definitiva é tratar os esgotos antes da captação. É um investimento inadiável.
Giordano recomenda que, enquanto perdurarem odor e gosto de terra, as pessoas devem ferver e filtrar a água:
- Água potável não tem odor nem gosto. É o que todos nós aprendemos na escola.

COLETAS MENSAIS
Em entrevista quarta-feira, Hélio Cabral não deu prazo para o fim dos problemas - argumentou que o fator depende da capacidade da caixa d’água dos moradores -, e defendeu o corte dos funcionários em 2019 como uma medida de gestão que trouxe economia de “mais de R$ 100 milhões” por ano.
- Quem tem seis mil litros e mora sozinho vai ficar bastante tempo consumindo a água antiga, suja - declarou Cabral, que chegou a beber um copo de água, segundo ele da própria Cedae, para provar que a qualidade se mantém boa. - Eu bebo água da torneira em casa.
Cabral negou que as demissões tenham conexão com a crise da água e anunciou que o funcionário concursado Pedro Ivo Ortolano, mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, assume a gerência da ETA Guandu, com Júlio César como subordinado:
- Os chefes do Guandu hoje são os mesmos de 2017. Não houve baixas na área de qualidade nem na equipe gerencial do Guandu. A grande massa de demissão foi de pessoas que estavam na sede.

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