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Muito além das águas do Guandu

Por Pedro Sobreiro

A crise de abastecimento de água no Rio de Janeiro, explicitada por uma contaminação de algas na Estação de Tratamento do Guandu, é só a ponta de um iceberg de desmando e incompetência da gestão da Cedae no governo Wilson Witzel. A partir desta edição, o CORREIO DA MANHÃ passa a publicar uma série de reportagens mostrando a situação dos principais mananciais de água fluminenses. Aqui destacamos a situação do Rio Paraíba do Sul, principal abastecedor do estado, que corre grave risco de contaminação.

A situação já é conhecida há anos pelos habitantes da região. Há uma montanha de lixo químico (denominado como escória) de mais de 30 metros de altura e peso estimado em 4 milhões de toneladas depositada ao redor do Paraíba do Sul.

Os detritos são basicamente formados por pó e metais pesados descartados pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e pela Harsco Metals. As empresas descarregam aproximadamente cem caminhões de escória numa área do entorno do rio (a cerca de 50 metros de distância do leito), podendo acarretar na contaminação da água do estado com metais pesados.

Em março de 2019, a CSN e Harsco Metals foram processadas pela Justiça Federal a pagarem multas diárias de R$ 20 mil e R$ 5 mil, respectivamente, enquanto os resíduos não fossem descartados corretamente. Na época, a montanha tinha cerca de 20 metros de altura, e a liminar explicitava que a pilha de escória deveria ser reduzida para, no máximo, quatro metros de altura. Hoje, a montanha passa dos 30 metros.

De acordo com o Procurador da República, Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes, que protocolou a ação:“os valores das multas diárias fixadas pela 3ª Vara Federal de Volta Redonda (RJ) contra os réus da ação civil pública restabelecem a autoridade do Juízo Federal, frente ao não cumprimento da liminar por parte das empresas e representam um passo importante para a tutela do meio ambiente e para a proteção da saúde dos cidadãos de Volta Redonda, bem como para a prevenção contra riscos de acidentes imprevisíveis”.

Quando questionada sobre o caso, a Harsco atribuiu a responsabilidade à CSN, que, por sua vez, afirmou que não teria infraestrutura para corrigir os problemas apontados no prazo de 120 dias.

Em maio de 2019, a população levou um grande susto com uma nuvem de fumaça e um terrível barulho de explosão vindos da Usina Presidente Vargas, da CSN. A aciaria sofreu uma reação química, causando a explosão e a contaminação de sete funcionários da empresa. O Procurador da República, Luiz Eduardo Camargo, voltou a se mover uma ação contra a CSN. Caso a montanha sofra reação, a contaminação ocorrerá às margens do rio Paraíba do Sul, e os atingidos serão bem mais que sete funcionários: será o povo fluminense.

Em novembro de 2019, após verificar que a CSN e a Harsco descumpriram a liminar de março de 2019, que estabelecia um período de 120 dias para reduzir o tamanho da montanha, a Justiça Federal multou a CSN e a Harsco em mais de R$ 10 milhões, além de aumentar a multa de R$ 20 mil para R$ 100 mil por dia. As vistorias realizadas em maio e julho concluíram que além de não ter reduzido a pilha de escória, as empresas estavam limpando um terreno para depositar mais dejetos químicos. Sem contar que detectaram substâncias químicas em concentrações muito maiores que os permitidos em águas subterrâneas da região.

Representante do movimento Baía Viva, o ambientalista Sérgio Ricardo, vem alertando as autoridades há mais de três anos. Para ele, parece que os responsáveis vão esperar a tragédia anunciada acontecer para tomar algum tipo de medida enérgica contra a siderúrgica, privatizada em 1993.

A CSN está depositando os dejetos químicos em uma área de aproximadamente 274 mil metros quadrados em Brasilândia, bairro de Volta Redonda, região localizada a 50 metros do rio, podendo infiltrar no leito e contaminar a água de todo o estado. É uma condição ilegal: o Código Florestal determina uma distância mínima de 200 metros.

Em 2018, o Baía Viva protocolou uma representação com o Ministério Público do Rio de Janeiro e o MP Federal alertando sobre o quanto aquela montanha era problemática, pedindo também medidas corretivas urgentes para evitar uma tragédia que todos sabem que vai ocorrer.

Quando confrontado sobre a situação, o Inea divulgou a seguinte nota: “A operação no local ocorre desde a década de 1980 e esta escória é classificada como resíduo Classe IIB. Desde que foi requerida a renovação, o Inea vem realizando diversas vistorias e emitindo notificações visando realizar as adequações ambientais necessárias. Ao longo de oito anos, a Harsco Metals atende às solicitações e, desta forma, o processo encontra- -se próximo de ser finalizado com a emissão de uma nova licença de operação”.

Mas a situação é realmente alarmista.

- A montanha está crescendo diariamente. Se tiver uma tromba d’água, mais de 9 milhões de pessoas ficarão sem água potável, porque a CSN está descumprindo a ação judicial – alerta Sérgio Ricardo.

Como todo morador do estado sabe, o início do ano é a época das grandes chuvas, alagamentos e deslizamentos. E como a montanha está a cerca de 500 metros de distância de área habitada, além da contaminação pela água, os dejetos podem afetar os moradores da região.

A CSN é recorrente ao descartar materiais industriais de forma irregular. Em 2016, o MPF denunciou a empresa por se desfazer desses dejetos sem atender às licenças ambientais em área anexa ao Paraíba do Sul. A ação foi movida referente ao período de descarte entre 1986 e 1999, na região que hoje é o Volta Grande IV, conjunto habitacional construído para metalúrgicos da região. O solo, a vegetação e a água – que é despejada no Paraíba do Sul – foram contaminados com substâncias cancerígenas, como chumbo, naftaleno e benzeno.

A gota d'água

O rio Paraíba do Sul abastece 75% da população fluminense, mas, ainda assim, recebe diariamente um bilhão de litros de esgoto sem tratamento. Esse tipo de assunto deveria ser tratado pela Cedae. Porém, além da água, as informações cedidas pela empresa são obscuras.

O Rio, ao longo da última década, passou por quatro crises hídricas, em 1997, 2001, 2014 e 2015. A situação da geosmina foi detectada pela primeira vez em 2004, pela própria Cedae. Eles esperaram 15 anos para começar a realizar o tratamento com carvão ativado.

Enquanto a Companhia for usada como cabide de empregos e indicações políticas, como no caso do ex-presidente Hélio Cabral - uma indicação do Pastor Everaldo, padrinho de Witzel, o povo não terá garantia alguma da qualidade da água que consome.

 

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