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Estudo revela que mais pobres levam mais tempo para chegar aos equipamentos de saúde

Por Affonso Nunes

O surgimento de uma crise sanitária de proporções globais despertou um amplo debate sobre a universalização da saúde e quem, de fato, tem acesso a ela. A maneira como a população consegue chegar a uma unidade de saúde passa a ter importância capital em casos de pandemia como a que vivemos agora. Levantamento feito pela seção brasileira do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) nas 20 maiores cidades brasileiras revela que 8% desses habitantes (3,6 milhões de pessoas) levam mais do que 30 minutos de caminhada para chegar a um posto de atendimento que ofereça procedimentos de baixa complexidade.
Esses dados fazem parte do boletim MobiliDados Em Foco, publicado pelo ITDB Brasil e que teve colaboração de técnicos do Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Esses números chamam a atenção, uma vez que grande parte dos procedimentos de baixa complexidade são realizados em unidades básicas e postos de saúde, ou seja, são a porta preferencial da população ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

E esse contingente salta para 4,9 milhões de pessoas quando se considera ao acesso da população aos estabelecimentos que oferecem procedimentos de média complexidade; e para 28 milhões para alta complexidade, como hospitais e clínicas especializadas. “Nesses casos, os estabelecimentos de baixa complexidade precisam estar mais distribuídos no território com o objetivo de facilitar o acesso a pé”, sugere o relatório.

Em 14 das 20 cidades analisadas, o tempo para acessar estabelecimentos de saúde é duas vezes maior para os mais pobres do que para os mais ricos. “O estudo reflete a desigualdade sócio-espacial que temos no Brasil. Pessoas de renda mais alta têm uma possibilidade maior de acesso aos estabelecimentos de saúde como um todo”, observa Clarisse Linke, diretora-executiva do ITDP Brasil.

E num contexto de acessibilidade reduzida, aquilo que deveria ser a solução transforma-se em problema. O sistema de transporte público não atende satisfatoriamente a demanda da população de acesso aos serviços públicos de saúde. De acordo com o boletim do ITDP, 5% da população das 20 cidades pesquisadas não conseguem acessar um estabelecimento que ofereça procedimentos de baixa complexidade em até 30 minutos usando ônibus, metrô, VLT ou trem. Em se tratando de procedimentos de alta complexidade, praticamente metade da população (49%) não consegue acessar nenhuma unidade em menos de 30 minutos utilizando transporte público.

“Nesse contexto da Covid-19, o estudo aponta o quanto um sistema de transporte público com capilaridade, ou seja, um sistema complementar, auxiliado por redes cicloviárias, por exemplo, facilitaria o acesso das pessoas aos equipamentos de saúde”, destaca Clarisse. “Num momento como esse, deveríamos estar enfatizando esse tipo de infraestrutura como outras cidades do mundo estão fazendo. Essa seria uma oportunidade de elevar a prioridade não apenas do transporte público, mas de outros sistemas de transporte ativos para a cidade, porque o espaço urbano precisa ser resiliente não só para lidar com as mudanças de ordem ambientais e climáticas, mas também a eventos extremos como uma pandemia.

O estudo aponta que a bicicleta pode sim auxiliar a população a chegar mais rápido aos estabelecimentos de saúde, mas para isso é preciso contar com uma malha cicloviária que garanta níveis mínimos de segurança. “Embora o uso da bicicleta seja bastante conveniente quando o serviço que se busca em uma unidade de saúde é relativamente simples, pedalar pode não ser o modo mais adequado para acessar parte dos serviços de saúde de média e alta complexidade. “No caso desses estabelecimentos, o uso da bicicleta pode ser uma opção para pessoas que visitam pacientes ou profissionais que acessam unidades para trabalhar no dia a dia, mas pode não ser recomendado para pacientes que provavelmente estão com a saúde comprometida”, alerta o documento.

De acordo com dados de pesquisas origem e destino realizadas em nove regiões metropolitanas nos últimos dez anos, o uso de bicicleta representa no máximo 3% dos deslocamentos diários. “A baixa cobertura da infraestrutura cicloviária é um dos principais fatores que torna o uso da bicicleta menos atrativo, uma vez que mais de 80% da população das 27 capitais brasileiras vivem a mais de 300 metros de uma ciclovia, ciclofaixa ou ciclorrota”, destaca o relatório.

Outra opção seria a caminhada, mas ela ainda é vista como um desafio em parte das grandes cidades brasileiras, principalmente naquelas em que a população vive afastada dos centros urbanos.

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