R$ 40 mil é o que vale a vida de um passageiro

Por Cláudio Magnavita

Correio da Manhã: Já se sabe a causa do acidente com o avião da Chapecoense? Foi mesmo a falta de combustível?

Marcel Camilo: Nenhum acidente aéreo tem uma única causa. A falta de combustível foi o mais evidenciado, mas houve equívocos na constituição da empresa, na contratação do seguro, na contratação do voo, não autorizado pela Anac, na autorização do plano de voo partindo da Bolívia, bem como na recepção desse plano de voo pela Colômbia, não se esquecendo de que a tripulação ignorou a necessidade de realizar escala para reabastecimento e os sinais luminosos e sonoros de falta de combustível, além da comunicação tardia da prioridade de pouso por panes seca e elétrica. Além disso, a agente de controle aéreo responsável pela condução do voo, não entendendo a gravidade da solicitação, teria demorado a autorizar a prioridade de pouso. Ainda, segundo alguns especialistas, as informações quanto aos vetores e à localização da pista foram confusas, o que pode ter levado o piloto a baixar os flaps e os trens de pouso muito cedo, perdendo altitude e, assim, chocando-se contra a montanha.

CM: Passados mais de dois anos do acidente, as famílias já receberam algum tipo de indenização?

MC: As famílias de jogadores falecidos receberam o seguro obrigatório da Lei Pelé e o seguro da CBF, que não contemplavam as vítimas que não eram jogadores. Nenhuma indenização foi paga pela companhia aérea LaMia, que encerrou suas atividades, nem pelas seguradoras, nem pelos donos da aeronave ou pelas agências reguladoras aéreas dos países envolvidos, Bolívia e Colômbia.

CM: As famílias moveram alguma ação judicial?

MC: Nossos clientes moveram ações trabalhistas por acidente de trabalho, tendo a Chapecoense afirmado que já fez acordo em 92% de todas as ações recebidas. Não sei dizer quanto aos falecidos que eram empregados de outras empresas, como as emissoras de rádio, por exemplo. Fora isso, temos ações nos Estados Unidos contra a LaMia, a Bisa (seguradora), Tokyo Marine (resseguradora), os proprietários da aeronave e os fabricantes do avião e das baterias.

CM: O avião não tinha seguro?

MC: Havia sim, um seguro da Bisa com apólice de US$ 25 milhões, valor obrigatório exigido pela Bolívia, mas a companhia recusou o pagamento da indenização alegando que o pagamento do prêmio estava em atraso, bem como que haveria cláusula excludente de territorialidade quanto à Colômbia. A seguradora e as resseguradoras criaram um fundo humanitário de US$ 200 mil para cada vítima, mas a maioria das famílias não aceitou, pois implicaria desistir dos processos judiciais. No Brasil, a cobertura mínima obrigatória é de R$ 40 mil por passageiro, que é insignificante.

CM: Qual a expectativa das famílias quanto às audiências públicas no Senado Federal?

MC: A melhoria da legislação securitária e aeronáutica, em três aspectos: primeiro, para permitir às eventuais vítimas demandarem as companhias aéreas e as seguradoras estrangeiras no Brasil, desde que elas tenham representação aqui, independente de onde o seguro tenha sido contratado, para que não tenham que mover ações em outros países, o que, em muitos casos, inviabiliza o acesso à justiça, em razão do custo. Segundo, para aumentar o valor mínimo das indenizações securitárias. Por fim, para exigir que a Anac aumente a fiscalização sobre as empresas aéreas, sob pena de responsabilização solidária por eventuais acidentes.

CM: Na última semana, foi sancionada a lei que permite às empresas de capital estrangeiro operarem no país. Qual sua opinião?

MC: Eu acho que pode ser salutar para o aumento da concorrência, mas lamento que o legislador não tenha se preocupado com a questão securitária. Nem todas as companhias que virão a operar aqui terão idoneidade financeira. A própria LaMia só não iniciou o voo fatídico no Brasil por ser estrangeira. Quantas outras empresas da mesma categoria virão a operar aqui? Não queremos que uma tragédia dessas torne a repetir.