Segundo a entidade, "a violência praticada pelo parceiro íntimo é de longe a forma de violência mais prevalente contra as mulheres em todo o mundo. (...) Dados os altos níveis de estigma e subnotificação de abuso sexual, o número real provavelmente é significativamente mais alto".

Além dos danos de saúde física e mental, há impactos para as contas públicas, afirmou a diretora do departamento de saúde sexual e reprodutiva da entidade, Claudia Garcia Moreno Esteva. Segundo ela, estudos feitos no Reino Unido apontaram perda de entre 1% e 2% do PIB em gastos médicos e jurídicos.

O relatório divulgado pela OMS mostra que as agressões afetam especialmente as mais jovens: na faixa dos 15 a 24 anos, 25% das mulheres em relacionamento já foram agredidas, e 16% afirmaram terem sofrido violência do parceiro nos 12 meses anteriores. Incluindo todas as faixas etárias, o índice é 10%.

Entre mulheres de 15 a 49 anos que já tiveram um relacionamento íntimo, mais de 641 milhões (27%) afirmam terem sido agredidas pelo parceiro, física ou sexualmente.
Foram analisados dados comparáveis sobre agressão feminina por parceiros em 161 países e áreas, que correspondem a 90% da população feminina acima dos 15 anos.
No total, foram avaliados 639 estudos, referentes ao período de 2000 a 2018. Por causa de diferenças metodológicas, não é possível concluir se houve alta ou decréscimo das agressões. "Além disso, é importante ter sempre cautela ao avaliar tendências nesse assunto, pois há influência do contexto, dos tabus e de incentivos às denúncias", disse Esteva.
Segundo ela, apesar de limitações em estatísticas sobre o tema, houve um avanço em relação a pesquisa similar realizada 2013. O número de países sobre os quais foi possível encontrar estatísticas de qualidade, diz, dobrou.

O estudo não traz dados pós-2018, mas há indícios de que o problema se agravou desde o começo da pandemia de coronavírus, por causa dos confinamentos impostos para conter a transmissão de Covid-19 e do impacto econômico da pandemia, segundo a diretora da OMS. Segundo Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulher, campanhas como Ele por Ela, lançadas no ano passado, aumentaram a visibilidade sobre o problema. "Não é possível dizer, porém, que houve redução na violência", afirmou ela.

"A violência contra as mulheres é endêmica em todos os países e culturas, mas, ao contrário da Covid-19, não pode ser interrompida com uma vacina", afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Segundo ele, é preciso envolver pessoas, comunidades e governos para mudar atitudes, promover relacionamentos saudáveis e melhorar o acesso a oportunidades e serviços para mulheres e meninas.

Esteva afirmou que a prevenção depende de intervenções simultâneas em muitas áreas, inclusive na educação e em trabalhos com líderes comunitários para mudar concepções sobre atitudes masculinas ou valores femininos. Ela afirma que houve um impacto positivo na criação de novas plataformas de denúncia e de ajuda a vítimas e mais envolvimento de governos com a questão.

O levantamento indica grande diferença geográfica: países como Canadá (3%), Uruguai, Austrália e Japão (4%) registram índices baixíssimos, enquanto em outros mais da metade das mulheres foi agredida, como em Kiribati (53%), Fiji (52%) e Papua Nova Guiné (51%). Na média, o índice é de 22% na Europa, 25% nas Américas e 33% na África. Entre os fatores relacionados à violência doméstica contra mulheres estão abuso de álcool, nível educacional mais baixo, história de maus tratos na infância, violência doméstica na família e problemas de personalidade, segundo a entidade.

Pouco acesso das mulheres a empregos bem remunerados, falta de legislação que assegure igualdade de direitos entre gêneros e ambiente cultural que desvalorize mulheres também aumentam a prevalência da violência, afirma o relatório.

A entidade relata danos físicos, mentais e sexuais de curto e longo prazo tanto para as mulheres quanto para crianças. De cada 100 agredidas, 42 relatam sequelas físicas, e agressões durante a gravidez aumentam o risco de aborto em 16% dos casos e o de parto-prematuro em 41%.

Depressão, estresse pós-traumático, distúrbios de ansiedade, distúrbios alimentares e tentativas de suicídio também estão entre as consequências apontadas no estudo.
Parceiros íntimos foram os autores de 38% dos assassinatos de mulheres no mundo, de acordo com a OMS, situação que também se agravou com os confinamentos.