Manoel Peixinho | Os direitos fundamentais à água potável e ao esgotamento sanitário

Por: Manoel Peixinho*

Da nuvem até o chão/Do chão até o bueiro/Do bueiro até o cano/Do cano até o rio/Do rio até a cachoeira/Da cachoeira até a represa/Da represa até a caixa d’água/Da caixa d’água até a torneira/Da torneira até o filtro/Do filtro até o copo/Do copo até a boca/Da boca até a bexiga/Da bexiga até o vaso/ Da vaso até o cano/Do cano até o rio/Do rio até outro rio/Do outro rio até o mar/Do mar até outra nuvem (Água - Arnaldo Antunes).

Os serviços públicos de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário são direitos fundamentais e configuram, axiologicamente, uma “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos”, segundo a ONU. A Constituição Brasileira correlaciona o saneamento básico à saúde (art. 200, IV), transportes urbanos (21, XX) e moradia (23, IV) numa clara demonstração que o saneamento básico é vital à dignidade da pessoa humana.

Contudo, a despeito das garantias dos direitos nacionais e internacionais, as estatísticas (Instituto Trata Brasil) atestam, conforme se verão nos números a seguir, a insuficiência do saneamento básico para parte significativa da população. Estima-se, com espanto, “que 4 bilhões de pessoas vivem em áreas que sofrem grave escassez física de água por pelo menos um mês ao ano” e “cerca de 1,6 bilhão de pessoas enfrentam escassez ‘econômica’ de água, a significar que, embora a água possa estar fisicamente disponível, não existe infraestrutura necessária para que as pessoas tenham acesso a essa água”.

O direito à saúde também é afetado por uma exclusão global, porque “200 mil mortes de crianças menores de 5 anos provocadas por malária poderiam ser prevenidas por meio de ações ambientais, como a redução de focos de reprodução de mosquitos e melhorias no armazenamento de água potável”.

Se há estatísticas cruéis de violência física e psicológica contra as crianças, também não deve ser ignorado que “crianças têm três vezes mais probabilidade de morrer de doenças relacionadas com água do que de violência” e mais de 1,5 milhão de crianças com menos 5 anos morrem por ano no mundo por problemas relacionados ao fornecimento inadequado da água”.

Quanto à correlação saneamento básico e saúde, “estima-se que um em cada cinco nascimentos aconteça nos 47 países mais pobres do mundo. Isso significa que, a cada ano, 17 milhões de mulheres nestes países dão à luz em centros de saúde com suprimentos inadequados de água, saneamento e higiene”.

Em síntese, e sem exaurir os dados estatísticos disponíveis que traduzem essa desumanidade globalizada, aproximadamente “2,1 bilhões de pessoas no mundo vivam sem água própria para o consumo humano”, dados que desafiam a implantação de políticas públicas de inclusão desses serviços públicos essenciais.

As estatísticas acima supracitadas comprovam a exclusão do saneamento básico no Brasil que resultam das desigualdades estruturais do país a atingirem, essencialmente, as classes sociais excluídas do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário.

Porém, a Constituição Federal (art. 23, IX) impõe a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

Assim, há uma solidariedade federativa na prestação do serviço de saneamento básico a exigir dos entes federativos o compromisso de universalização dos serviços de água potável e esgotamento sanitário, objetos dessa reflexão, para que esses direitos fundamentais sejam concretizados na vida de cada brasileiro.

*Presidente do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro, professor de Direito da PUC-RIO e advogado